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Capítulo 4 - Semente Enterrada



— Eu consegui! — exclamou Bianca alegremente enquanto se levantava do chão. Nessa altura, ela já estava acostumada a comer poeira.

— Conseguiu o quê? — Perguntou Hilda.

— Um Lillipup!

— Ué, e onde foi que você conseguiu Poké Ball?

— Eu... — Ela mordeu o lábio inferior, seu sorriso morrendo um pouco. — Comprei. Com minha mesada. Escondida. Há uns dias.

Fazia sentido. Os pais dela jamais teriam comprado quaisquer itens de jornada para ela. O que levantava a pergunta...

— Bianca, desculpa perguntar, mas... — Hilbert interrompeu a conversa.  — Qual... Qual é seu plano? Se seu pai achar que você fugiu de casa, foi sequestrada ou algo assim... É só uma questão de tempo até ele mandar a polícia atrás de você.

O clima pesou quase que imediatamente. Até o sol do fim da manhã que estava conseguindo penetrar pelas nuvens pesadas parecia ter perdido força, sendo dominado por uma brisa gelada. Hilbert se arrependeu de ter perguntado, mas assim que ele abriu a boca pra pedir desculpas, Bianca lhe deu uma resposta:

— Pedi pra professora Juniper falar com ele. Ele não vai poder ter raiva dela... E a mãe do Ren prometeu que ia me acobertar também se fosse necessário. Eu achei que ele ia pra aquela viagem de negócios hoje, mas acabou que mudaram a agenda dele... — ela suspirou, frustrada. — Meu plano é estar o mais longe possível de Nuvema quando ele descobrir. Quero chegar em Striaton antes de escurecer.

— Striaton? — o garoto repetiu, franzindo a testa em preocupação.  — A Rota 2 é muito mais longa que a Rota 1. Você vai ter que praticamente correr pra chegar antes de escurecer

— Eu sei. Mas quero ter certeza que eu tô se- — ela se interrompeu. — Só não quero dar brecha pra ele me alcançar.

— Ele não vai. — Hilda colocou a mão no ombro da amiga. — E mesmo se alcançasse, eu não ia deixar ele te levar de volta!

Bianca ficou um pouco corada, mas sorriu de leve.

— Eu também não ia ficar parado! — acrescentou Hilbert.

— Ah, é? E ‘cê ia fazer o quê? — provocou a irmã.

— Ei, eu posso até não conseguir encher ele de porrada que nem você, mas consigo assassinar ele com palavras!

— Brigada, gente. De verdade — disse Bianca baixinho, ainda sorrindo envergonhada. — Mas também, vou ter alguém pra me proteger no caminho...

— Oxe, quem-

— Bom, é melhor a gente ir andando! A professora tá esperando, não tá? — Ela interrompeu, ficando ainda mais vermelha. 

— É. E eu ainda quero saber o que ela quer comigo.

— Mas, Hilda, você não vai capturar nada por aqui?

— Ah... Então... Nem se eu quisesse. — Ela coçou a cabeça, sem graça. — Não curei o Snivy ainda. Esqueci.

— Ah, não seja por isso!

A loira puxou uma garrafinha do interior de sua bolsa. Parecia com uma poção de cura normal, mas o líquido dentro era de um tom feio de verde.

— Além de comprar Poké Balls escondida com minha mesada... Eu também rou-digo, peguei emprestado algumas berries e ervas, e fiz poções caseiras pra mim! — Ela estufou o peito, orgulhosa. — Ren disse que é perigoso ficar misturando essas coisas, mas eu sei o que tô fazendo, juro!

— Eita! E isso aí é o quê? — Hilda segurou a garrafinha, colocando ela mais próximo da cara para tentar enxergar seu conteúdo.

Heal Powder e Figy Berry! A berry é pra tirar um pouco do gosto amargo, já que poções baseadas em ervas são feitas pra beber. Mas não sei se seu Snivy vai gostar...

— Só tem um jeito de saber!

A morena libertou sua cobrinha da Poké Ball, e ele saiu dela na mesma posição em que havia entrado: Deitado no chão, com uma expressão azeda e cansada.

O que é que essa baranga quer agora? — Emerald suspirou pra si mesmo.

— ’Tó! Pra te curar!

O humor dele pareceu melhorar quando ela lhe ofereceu a garrafinha pra beber.

Hm. — Ele deu uma cheirada. — Isso é Figy, não é? Hmph, outros podem não saber diferenciar, mas eu sei. Puramente picante, uma delícia. Vem de uma arvorezinha roxa com folhas venenosas.

Hilda tomou um susto quando Emerald usou suas vinhas pra tomar a bebida da mão dela sem muita cerimônia, jogando o recipiente no chão depois que bebeu tudo. Bianca o pegou e o colocou de volta na sua bolsa, dando um aceno de cabeça satisfeito.

— Acho que funcionou!

Funcionou o suficiente, apesar de estar mais amargo do que estou acostumado. Talvez eu devesse ter tido você como treinadora — Comentou, olhando para Bianca.

— Boa, Bibi! Valeuzão mesmo! — Hilda sorriu. — O jardim da dona Silvana é cheio das coisas mesmo, hein?

— Uhum, ela tem umas raridades! É difícil algumas berries passarem na vistoria do aeroporto, você sabe como é Unova, mas tem horas que ela consegue umas sementes interessantes!

Hilbert virou a cabeça na direção de onde eles vieram, encarando o campo de flores lá embaixo na base da ladeira que eles haviam subido, entediado com a conversa. Se tinha algo que não lhe interessava, era a natureza. Ele estava mais interessado era em saber que horas ele poderia voltar pra casa... E provavelmente não seria ainda hoje, já que demorava um dia inteiro para caminhar de Nuvema a Striaton. A ideia de ter que parar num Centro Pokémon para dormir o irritava. Mas, bem, a professora sempre pagava bem quando ela o usava como menino de entrega. Ele podia fazer algo legal com a grana. De repente, até comprar algum jogo, como aquele “The Legend of Zacian” novo que ele estava de olho.

— Ô, vamo andando — ele disse às meninas, dando alguns passos à frente. — Quanto mais rápido a gente chegar em Accumula, mais rápido a gente chega em Striaton.

— Verdade, vambora!

— Ah, antes disso, vou deixar o Oshawott tomar um ar fresco! Eu ia curar meu Lillipup, mas... Já que a gente tá tão perto de Accumula, prefiro economizar minhas poções e usar o Centro!

Bianca libertou seu Pokémon também que pareceu empolgado de ter sido solto. Mas, assim que percebeu que o Snivy estava junto, fez uma careta.

Argh, você ainda tá por aqui?

Infelizmente, nossas treinadoras são amigas, então creio que nos veremos com frequência... Garanto que a ideia me desagrada tanto quanto desagrada a você.

Tendo dito isso, Emerald pulou no ombro de Hilda, que tomou um susto, mas conseguiu não derrubar seu Snivy. Ele se enrolou no pescoço dela, deixando a cauda pendurada no seu outro ombro.

O mínimo que você pode fazer por mim depois da derrota humilhante que você me fez passar, é me carregar. E me manter longe desse tonto. — Ele encarou Azure de forma debochada.

— Awwww, que bonitinho! Acho que ele tá começando a gostar de mim!

Se quiser interpretar dessa forma...

Quando você ganha, é mérito seu, mas quando você perde, é culpa da sua mestra? — Azure reclamou enquanto Bianca o carregava nos braços e lhe dava um beijinho no topo da cabeça.

Exatamente.

Você é insuportável...

Accumula não estava muito distante, só mais alguns minutos de caminhada pela estrada de terra, passando por alguns campos de flores — o que fez Hilbert dar uns bons espirros — para desviar dos poucos carros que passavam por ali. Carros velhos, estrada velha e mal cuidada. Típico dessa área da região. Muita gente brinca que a civilização só começava depois de Striaton. Talvez seja por isso que dona Helga escolheu morar na “gaiola com vista pra praia”, como dizia Hilbert. Mas não dá para dizer que ele sentia falta do apartamento minúsculo em Castelia que ele morava quando era mais novo... Nem da solidão daquela época. Qualquer coisa era melhor que a Narrow Street. Bom, quase qualquer coisa. Ele não sentia saudades de Eterna. Muito menos de Floaroma... Urgh. Inferno de polén.

Depois de alguns minutos das meninas conversando, os Pokémon delas se encarando feio e Hilbert divagando, o trio finalmente chegou na cidadezinha. A entrada da cidade já era mais memorável que Nuvema e seu mar de casas de família, com um parque que se estendia por algumas ruas — muitas delas, ladeiras — lhe dando boas vindas, o Slither Park. Estava um pouco vazio, pois sendo um dia de semana, era mais frequentado por um idoso ou outro fazendo sua caminhada matinal. As crianças já estavam na escola e os adultos estavam trabalhando. Mais um dia normal na cidade do sobe-e-desce.

Ah, já vim aqui antes. Lugarzinho agradável. Emerald disse pra si mesmo.

Quando você fugiu do laboratório? — Azure resmungou apenas pra ser ignorado.

— Ai, eu adoro Accumula! — Bianca suspirou. — Mas... Bem que o clima podia estar melhor, né? Não é muito o céu de começo de jornada.

Os três olharam pra cima, e as nuvens cinzentas pareciam se acumular ainda mais no céu. Que primavera feia.

— Será que vai chover? — Hilbert franziu a testa, preocupado.

— Ah, se chover, a gente compra um guarda-chuva no Centro! Falando nisso... Em qual deles a professora ficou de encontrar a gente, Bibi?

— Naquele ali!

Bianca apontou pro prédio de telhado vermelho logo à direita da saída do Slither Park. O Centro Pokémon de Accumula não era tão grande. Não havia uma lanchonete ou muitos quartos pra treinadores ficarem, afinal, ninguém passava muito tempo por ali. Mas era um Centro funcional. O trio sentou-se no chão, próximo da entrada, esperando a professora chegar.

E seguiram esperando por muito tempo. Por quase uma hora.

— Ela não mandou mensagem? — Hilbert perguntou pela trigésima vez nos últimos cinquenta minutos.

— Não... — Bianca suspirou, fazendo carinho no seu Oshawott que estava cochilando no seu colo.

— Uuuurgh, quero ir logooooo! — Hilda dramaticamente jogou a cabeça pra trás. — Cadê ela?!

— Eu também quero ir embora... Não posso ficar aqui por muito tempo. — A menina loira sussurrou, ansiosa.

Ei! — Chamou uma voz a distância.

Os três levantaram a cabeça, mas, pra decepção deles, era Cheren que se aproximava, esbaforido.

— E aí, o que rolou com teu tio? — Hilda perguntou.

— Tava brincando nos cassinos outra vez... — Cheren respirou fundo antes de continuar. — Na Black City.

— Nada de novo sob o sol. — Hilbert riu baixinho. — A gente tá esperando a professora, mas até agora nada dela.

— Ah... — O garoto de óculos sorriu. — Sobre isso... Encontrei uma certa pessoa enquanto corria pra cá.

Ele apontou com a cabeça pra trás, e os três ergueram as cabeças pra olhar. Dito e feito, lá vinha a professora logo atrás, segurando uma caixa relativamente pequena. Assim como Cheren, ela também estava ofegante.

— Mil desculpas pela demora... Tive que responder algumas perguntas da polícia... Como se alguém do laboratório fosse batalhar na floresta no meio da madrugada. — Ela revirou os olhos.

Aurea Juniper se tornou uma das pessoas mais jovens a ser nomeada representante de uma região, após seu pai, o renomado biólogo Cedric Juniper, ter abdicado do cargo — mais uma pessoa importante saindo de sua posição em Unova nos últimos anos... —. Sempre vestia roupas simples por baixo do seu jaleco branco impecável, com sapatos de corrida confortáveis, mas ainda fazia questão de manter seu cabelo castanho preso num coque elegante e de seus brincos vermelhos — uma questão de vaidade.


— Oi, professora! — Bianca cumprimentou alegremente, quase tropeçando enquanto levantava do chão.

— Bom dia, crianças! Ah, Hilda, você escolheu o Snivy!

— Arrã! — Hilda fez carinho na serpente que ainda estava pendurada em seus ombros. Como de costume, ele não reagiu.

— Interessante!

— Hã, professora... — Hilbert limpou a garganta. — O Cheren me disse que você-

— Sim, sim! Vim pra falar com você acima de tudo. Vamos entrando pra podermos conversar melhor.

Por sorte, o Centro Pokémon estava praticamente vazio, exceto pela enfermeira Joy que limpava o balcão junto à sua Audino. O Poké Mart Mini ainda não estava aberto, nem a lanchonete no segundo andar. O ar-condicionado ainda estava fraco, sinal de que havia acabado de ser ligado. O céu estava tão nublado — e não dava sinais de melhora — que as luzes internas permaneciam acesas.

Os cinco se sentaram nos confortáveis sofás laranjas do Centro. Bianca e a professora se sentando no menor, e Cheren, Hilbert e Hilda se apertando no maior.

— Bom, vamos direto ao ponto! — Juniper colocou a caixa em cima da mesa de café. — Vocês quatro sabem o que são Pokédexes, não sabem?

— Um dispositivo que registra automaticamente as informações dos Pokémon que você encontra. — Cheren disse de imediato.

— Muito bem! — Ela assentiu. — Gostaria de destacar que, aos lhes dar Pokédexes, o meu objetivo não é apenas que vocês registrem os dados dos Pokémon de Unova, mas que elas também sejam de grande ajuda pra vocês em suas jornadas. Se vocês conhecerem melhor o Pokémon que está a sua frente, vai ser muito mais fácil enfrentá-lo ou capturá-lo, não é?

E da caixa, ela tirou quatro Pokédexes de diferentes cores: Rosa, vermelho, azul e laranja. Hilda, Cheren e Bianca imediatamente pegaram as de suas cores favoritas, enquanto Hilbert olhava pra professora em silêncio.

— Hilbert? — Ela ergueu a sobrancelha e apontou pra Pokédex vermelha com a cabeça.

— Hã, eu vou voltar pra casa, professora.

— É, imaginei que você diria isso. É aí que entra meu pedido. Você já ouviu falar do Mundo dos Sonhos?

Hilbert, e até mesmo os outros três, olharam pra professora com curiosidade. O moreno fez que não com a cabeça.

— O Dream World, como a professora Vera Bennoit o nomeou... Bem, chega até a ser difícil de explicar. — Ela riu de leve. — É uma anomalia que pode ser acessada através de um Pokémon chamado Musharna.

— Anomalia? Tipo um outro mundo? — Perguntou Hilbert.

— Ainda não há uma definição certa sobre o que é o Dream World, exatamente, mas… Sim, é como se fosse um outro mundo.

— Que legaaaaal! — Hilda arregalou os olhos.

Seria interessante explorar esse outro mundo... — Snivy disse a si mesmo. — Ei, Azure, presta atenção!

Eu quero descobrir como liga isso aqui! — Respondeu a lontra revirando a Pokédex de Bianca com suas patas.

— E como se usa uma Musharna pra acessar esse mundo? — perguntou Cheren.

— Bom, isso é algo que um especialista pode responder com mais detalhes. E é nesse ponto que eu quero chegar: Eu tenho uma amiga, a professora Fennel, que herdou o laboratório da professora Bennoit, lá em Striaton. E ela está procurando por um assistente... Bom, mais um, pelo menos.

Hilbert ficou em silêncio por alguns instantes enquanto ligava os pontos.

— E… A senhora quer que eu seja o assistente dela?

— Eu quero que você escute o que ela tem a lhe oferecer, antes de mais nada. Veja se você tem interesse na proposta dela. E se você se interessar… Por quê não?

— Por que eu?

— Tem as notas necessárias pra tirar sua Licença de Treinador, tem idade pra tal, e não está focado em insígnias ou em completar a Pokédex. E teria alguém pra lhe apoiar caso seja necessário. — Ela gesticulou na direção de Hilda. — E você é um rapaz inteligente. E… Alguém me recomendou você.

O sorriso de Aurea aumentou quando ela tirou uma folha de papel da caixa. Hilbert resmungou assim que reconheceu a caligrafia.

— Ah, não… A gente tava falando no telefone ontem de noite! Por que ele não me disse nada naquela hora?

— ‘Cê sabe como ele é, ele adora mandar uma cartinha! — Hilda riu.

Hilbert suspirou, e os irmãos aproximaram as cabeças pra conseguirem ler a carta juntos. Como ele havia imaginado, Andrew não havia se dado ao trabalho de seguir as linhas pontilhadas da folha...

"Surpresa! Eu sei, você deve estar pensando 'que saco, lá vem o papai com essa história de jornada de novo', mas, juro perante a Arceus, se você ouvir o que a professora Fennel (que é uma profissional maravilhosa!) tem a dizer e não tiver interesse, vou te deixar voltar pra casa em paz.
 
De novo, sei que você tá cansado de ouvir isso de mim, mas eu de todo coração acredito que sair vai te fazer bem. Você me disse há um tempo que se sentia sem direção. Talvez isso te ajude a encontrá-la. Faça isso não por mim, por sua mãe ou pela Hilda. Faça isso por você mesmo. Dá uma chance das coisas acontecerem com você. Pra saber o que tem dentro de uma semente, você precisa plantar ela primeiro.

E eu escolhi um Pokémon especialmente pra você! Acho que você vai gostar dela, ela é um amorzinho, todo mundo aqui no Transfer Lab adora ela, e sei que ela vai cuidar muito bem de você. E é seu tipo favorito, não é?

Te amo! Por favor, não fique com raiva do seu pobre pai! Assim que eu puder, vou atrás de você e da sua irmã pra dar um oi! Falando nela, dá um abraço nela por mim, tá? Sinto muita saudades de vocês dois. Fiquem bem!"

Hilbert engoliu as lágrimas com a garganta apertada. Se existia alguém capaz de mexer com seu coração, com certeza esse alguém era seu pai. Ele disse na carta pra tomar essa decisão por ele mesmo, mas era difícil não sentir-se na obrigação de fazer isso por ele… Principalmente depois da morte súbita de seu avô, que na época parecia algo do qual Andrew nunca iria se recuperar totalmente.

— Ok. — Ele disse, com a voz trêmula, limpando a garganta em seguida. — Eu aceito. Eu vou até Striaton.

Cheren e Bianca sorriram pra ele em aprovação. Hilda, por outro lado, lhe deu um tapa tão forte no ombro que ele jurou ter ouvido um osso estralar. A enfermeira Joy tomou um susto com o barulho, mas riu quando percebeu o que tinha sido.

— Fico feliz de ouvir isso, Hilbert. De verdade. Tendo dito isso... — O sorriso de Aurea aumentou ainda mais.  

Ela tirou uma Poké Ball preta, com listras amarelas e vermelhas no topo. O fecho era dourado, luxuoso. Hilbert suspirou alto de novo. Ele devia ter imaginado que tudo isso iria acontecer, conhecendo seu pai. Se ele tivesse a licença que permitia ter um Pokémon de outras regiões, ele apostaria que o pai teria lhe dado um certo Pokémon de presente...

— Deixa eu adivinhar... É um Oddish? — Ele brincou.

A reação da professora foi inesperada. Ela arregalou os olhos de leve e manteve a expressão de surpresa por alguns segundos, mas tentou disfarçar com uma risadinha sem graça. Talvez ela não tenha sacado a piada interna? Hilda, Cheren e Bianca pareciam tão confusos quanto ele.

— Não, não é um Oddish.

— E-eu sei, tava brincando.

Sem dizer mais nada, a mulher apertou o botão central da Poké Ball, e do típico flash de luz vermelha, apareceu uma criaturinha turquesa e cabeçuda, com olhos verdes grandes e brilhantes e listras pretas na sua looonga testa. Ela levantou a mão que tinham três dígitos pequenininhos que pareciam luzes, nas cores vermelha, verde e amarela, e piscou o dígito verde para Hilbert duas vezes.



— Hmmm. Elgyem. Interessante.  — Cheren ajustou seus óculos no rosto.

— Ela está te dando oi! — Explicou professora Juniper.

— O-oi. — Ele acenou timidamente.

Mais uma vez, a Elgyem piscou verde duas vezes, e fez outra sequência de cores logo em seguida: Vermelho, amarelo, verde e amarelo.

— Ela é um Pokémon de suporte. Só tem um movimento ofensivo, que é Psybeam. De resto, ela sabe Protect, Thunder Wave e Teleport.

Teleport? — Hilbert ficou interessado.

— Sim. Mas ela ainda não chega muito longe, então não abuse da sorte. O que eu quero dizer é: Com esta Elgyem do seu lado, você não precisa ter nenhum outro Pokémon na sua equipe se não quiser. Ela é mais do que o suficiente pra proteger você, o que é essencial em qualquer jornada. Não dá pra saber o que você vai encontrar lá fora.

Por mais que ele não quisesse dar o braço a torcer, Hilbert precisava admitir que não parecia tão ruim. Um Pokémon de suporte.

— E Elgyem tem uma boa linha evolutiva pra se ter pra autodefesa contra outros humanos, correto? — Cheren perguntou. — Ela pode causar enxaquecas.

— Mh-hm. — A professora fez que sim. — Muito bem, Cheren. É verdade, embora eu espere que você não precise usar pra esse fim.

— Acho perfeito pra quem não consegue nem subir uma ladeira. É só usar o Teleport!

— Cala a boca, Hilda — resmungou Hilbert, mas estava sorrindo de leve.

— Só toma cuidado com dispositivos eletrônicos... Elgyem pode dar uma interferência estranha se ficar muito perto de algum. Não deixe ela brincar com seu Xtransceiver ou com sua Pokédex. Falando nisso, Oshawott, eu estou vendo você mexendo na Pokédex!

O Pokémon de água largou o dispositivo na mesa, emburrado. Elgyem começou a cumprimentar os outros humanos na mesa, passando por Hilda, Cheren e Bianca com o mesmo sinal de antes: Verde duas vezes. Ela fez o mesmo com Oshawott, que acenou de volta, e com Snivy, que não esboçou muita reação além de um sibilo entediado. 

Olá! É um prazer lhe conhecer! — Sua voz parecia um eco eletrônico. — Meu nome é Nia!

Igualmente... Emerald.

Como de costume, ele não parecia impressionado. Foi aí que Aurea percebeu que ele estava enrolado no pescoço de Hilda.

— Ah, ele faz isso com você também? — Ela apontou pra serpente. — É um bom sinal.

— Um bom sinal? Não parece...

— É, ele é um pouco bruto. Mas desde que não seja com intenção de te machucar... Só não deixe esse ser um hábito muito frequente. — A professora avisou. — Vai dar trabalho eliminar esse comportamento quando ele evoluir. Incentive-o a andar por conta própria pouco a pouco.

— Pode deixar!

Pra você é fácil falar, com essas pernas enormes de humano… Olha pras minhas! O que custa me carregar?!

— Muito bem. Hilbert, Hilda, era isso que eu tinha pra dizer a vocês, mas eu gostaria de ter uma palavrinha com Cheren e Bianca. Em particular.

Os irmãos se levantaram e rapidamente se despediram dos amigos e da professora. A Elgyem colocou as duas mãozinhas no ombro de Hilbert quando ele se afastou da mesa. Não que ela precisasse, ela poderia simplesmente flutuar, mas usou o garoto de apoio assim mesmo. 

— E aí, qual a sensação de ter um Pokémon?! — Hilda perguntou, empolgada.

— Sei lá, acho que é muito cedo pra dizer... Mas tô feliz com o que o papai escolheu, pelo menos. Gosto de psíquicos.

O que é você, exatamente? Nunca vi ninguém igual a você antes. — Emerald perguntou ao Pokémon que estava no ombro de Hilbert.

Sou uma Elgyem, e sou do tipo psíquico.

Hm. Quem diria, você é a segunda esquisita que eu conheci em menos de dois dias. O primeiro foi aquele grandão de metal na floresta...

Na floresta? — Nia se interessou.

Ontem à noite, ouvi alguns barulhos estranhos na floresta do lado do laboratório onde eu morava. Barulhos de eletricidade. E eu precisava investigar aquilo. E encontrei dois humanos e dois Pokémon estranhos.

Grandão de metal... Talvez seja um Klinklang, como os humanos chamam? Havia alguns deles no laboratório de onde eu vim. Como era o segundo?

Alto, com pelo comprido. Arrancou um pedaço do corpo desse Klinklang com uma mordida só. Parecia ser bem forte. Mas pelo que os humanos disseram, não foi um ferimento fatal.

Enquanto os Pokémon conversavam entre si, seus mestres entraram de novo no Slither Park, caminhando devagar.

— A gente vai esperar a Bibi e o Ren? — Indagou Hilda. 

— Acho que sim, né? Custa nada. E a gente ainda tem coisa pra fazer por aqui. Eu preciso voltar pro Centro pra fazer minha Licença de Treinador... Demora pelo menos um dia útil pra emitir ela.

— Um dia útil? Então a gente vai ter que dormir aqui?

— Sim. E preciso ir no Poké Mart pra comprar coisas pra mim-

— Ah, então... — Hilda sorriu maliciosamente. — Eu meio que já sabia desse rolê da professora Fennel, e eu trouxe comigo todas as suas coisas. Mamãe que me ajudou a montar sua mala.

Hilbert arregalou os olhos e abriu a boca em choque, e logo em seguida, deu um empurrão no ombro de Hilda. Ela mal saiu do lugar, sendo muito mais forte que o irmão, mas Emerald chiou em protesto mesmo assim.

— Você sabia, sua desgraça?!

— Por isso que eu falei que minha bolsa tava pesada! — Ela gargalhou.

— Como que diabos as minhas coisas couberam nessa bolsa?!

— Cabendo, ué!

Antes que ele pudesse xingar mais a irmã, no entanto, algo mais ao longe chamou sua atenção. Uma multidão de pessoas reunidas logo na frente de um pequeno palco improvisado.

— O que é aquilo ali?

— Hã? — Hilda se virou pra direção que ele estava olhando. — Não sei. Será que é, tipo, um show ao vivo?

— Só tem um jeito de descobrir, acho... A gente não tá fazendo nada mesmo.

— Vamo lá, então!
              

Capítulo 3 - Além da Beira Mar


— ‘Cê acha que ela vai ficar brava por a gente ter batalhado aqui em cima? — Hilda perguntou ao irmão enquanto eles desciam as escadas que levavam até a sala de estar.

— Se a gente não quebrou nada, tá safe... Acho.

Levando em conta quão animadamente dona Helga estava conversando com Bianca e Cheren, estava safe de fato. Hilda correu até a cozinha ao ver o bolo de Nanab que Bianca havia feito na mesa, se sentando de forma desengonçada na cadeira de jantar, onde sua bolsa de viagem estava pendurada. Hilbert decidiu pegar um pedaço também, já que não havia tomado café e seu estômago estava começando a reclamar.

 — Então você pegou o Snivy, Hilda? — Helga perguntou.

 Sua filha só fez que sim freneticamente com a cabeça, com a boca cheia de bolo.

— Olha, não nego que tô surpresa... Achei que você ia de Tepig. Não era você que queria um Snivy, Bibi?

— É que a carta da professora dizia que o Snivy tem um temperamento meio difícil... — A loira suspirou. — Achei melhor deixar ele com a Hil ou o Ren. Eles sabem o que tão fazendo mais do que eu.

— É, foi melhor assim. — Cheren concordou de imediato.

Hilbert deu uma cotovelada de leve no amigo, e recebeu uma franzida de testa confusa em resposta.

 — Você não devia se subestimar assim, sabia? — O moreno disse, antes de morder mais um pedaço de bolo. — Seria difícil, mas você daria conta.

— Você acha mesmo?

— Acho, de verdade.

— Talvez, mas acho melhor prevenir do que remediar — O garoto de óculos argumentou. — Se você não tem total segurança que conseguiria lidar com ele quando as coisas apertassem, foi melhor evitar mesmo.

— É, você tem razão... — Bianca apoiou o queixo na própria mão. — Ah, bem, não importa. Tô mais do que feliz com meu Oshawott! Qualquer um pra mim tava ótimo!

Hilbert só conseguia pensar que para uma garota que desesperadamente precisava de uma desculpa para sair de casa, realmente, qualquer Pokémon devia ser lucro... E talvez todo mundo estivesse pensando a mesma coisa, pois um silêncio um tanto quanto pesado pairou no ar.

 — Então... — Helga limpou a garganta. — Daqui vocês vão voltar pro laboratório? Ou vão sair direto?

— Vamo direto! — Hilda respondeu. — A professora não tá aqui, né, Ren?

— Não. Surgiu um compromisso repentino em Accumula e ela disse que estaria nos esperando lá.

— Ei, você não sabe mesmo o que a professora quer comigo? — Hilbert se lembrou de repente, se virando para encarar o amigo, ainda na esperança que ele soubesse de algo.

— Já falei que não sei do que se trata, ela deve dar os detalhes quando nos encontrar. — Cheren suspirou. — Mas, se bem me lembro, ela quer que você faça um favor pra ela lá em Striaton.

Hilbert bufou em protesto. Striaton? Isso dava um dia inteiro de caminhada, e isso se você não desse nenhuma parada para descansar! E ele achando que iria voltar a dormir quando voltasse de Accumula... Mas seria grosseria recusar um favor da professora Juniper depois de tudo que ela fez pela família. Não lhe restava muita escolha senão aceitar.

— Tá, que seja. Mas alguém vai ter que me trazer de volta pra Nuvema, já que eu não tenho Pokémon.

— Eu te trago de volta. — Hilda se ofereceu prontamente, largando seu prato agora vazio em cima do balcão.

— Vai ser um vai-e-volta danado, você sabe, né?

— Tô ligada. Mas tranquilo, não tô com pressa, os Ginásios não vão pra lugar nenhum.

Enquanto isso, Helga tirou uma Poké Ball preta e amarela do seu bolso, uma Ultra Ball, e a abriu. Dela, saiu um Pokémon morcego azul, peludo e com o nariz em formato de coração, bocejando. Ele tinha um Soothe Bell pendurado no pescoço — com o pêndulo do sininho retirado, pois o barulho incomoda demais suas orelhas sensíveis —. Mesmo que tenha sido um Pokémon doméstico por quase toda sua vida, Swoobat ainda era um Pokémon com hábitos noturnos. Mas não o suficiente para não ficar empolgado ao perceber que era hora do café da manhã! Ele imediatamente voou baixo até os pés de sua treinadora, pulando no chão com suas perninhas curtinhas.

— Já que a gente vai pra mais longe... — Hilbert suspirou. — Vou pegar minha bolsa de remédios.

— Boa ideia. — Helga disse casualmente enquanto pegava a caixa de comida de Swoobat de dentro de um dos armários.

Quando o garoto se levantou para ir até o seu quarto, Cheren e Bianca fizeram o mesmo.

— Preciso passar em casa antes. Dar tchau pros meus pais e tudo. Você vai voltar também, Bianca?

— Hã, não. Já dei tchau pra mamãe...

 Ninguém se atreveu a mencionar o pai dela.

— A gente se vê na entrada da Rota 1, então? — Cheren sugeriu.

Hilda fez que sim com a cabeça, e Hilbert deu um joinha, subindo as escadas sem muito entusiasmo.

— Aproveita que você vai aí pra cima e arruma sua cama! — Helga gritou para o filho mais novo, finalmente servindo o prato do Swoobat que estava começando a guinchar.

— Tá!

— Tia, você pode devolver o pote da minha mãe pra mim, por favor? — a garota loira pediu.

O dito cujo agora estava vazio após os irmãos — principalmente Hilda — terem devorado o que havia sobrado nele.

— Claro, querida. Pode ir tranquila.

Depois de se despedirem da Sra. Park, Cheren e Bianca saíram. E com Hilbert estando no andar de cima, só sobraram mãe e filha na cozinha. Hilda aproveitou a oportunidade pra falar baixinho:

— Colocasse as coisa dele na minha bolsa?

— Uhum. — Helga sorriu. — Só ficou meio pesado, cuidado.

— Nah, tá de boa, consigo levantar. ‘Cê acha que ele vai topar?

— É bem a cara dele ficar interessado numa pesquisa assim... Então, acho que sim. Espero que sim, pelo menos. Vai fazer bem pra ele...

As duas ficaram em silêncio por alguns poucos instantes, a quietude interrompida apenas pelos barulhos de mastigação do Swoobat. Algo sobre a paz daquele momento fez a garganta de Hilda apertar pela primeira vez desde que o dia havia começado.

— Então... Chegou a hora mesmo, né? — A garota falou mais pra si mesma do que para sua mãe.

Helga se aproximou e colocou a mão na cabeça da filha. Ela esperava que fosse ter seus cabelos bagunçados, como sempre acontecia, mas desta vez não. A mão dela só continuou ali, parada.

— É, chegou a hora. — Helga concordou.

 Mais momentos de silêncio. Depois de um ou dois minutos que pareceram uma eternidade, Hilda foi a primeira a ceder, e puxou sua mãe para um abraço, ainda estando sentada na cadeira. Ela retribuiu quase que imediatamente, dando um beijo no topo da cabeça de Hilda. Helga poderia ter falado um milhão de coisas, e talvez não fosse o suficiente para fazer jus àquele momento. Então, ela simplesmente disse:

 — Você consegue. Eu sei que consegue.

 Hilda considerou perguntar o que ela conseguiria em específico, se ela se referia aos Ginásios ou alguma outra coisa. Mas não importava. Seja lá o que fosse, sua mãe, que sacrificou tanta coisa por ela e não reclamou um dia sequer, acreditava que ela iria conseguir, e isso já bastava... E ela tinha medo de acabar chorando se tentasse falar algo a mais. Swoobat, que havia acabado de comer, subiu no ombro de Helga, tentando confortá-la.
 
No andar de cima, Hilbert arrumava a sua cama, e por algum motivo, havia um sentimento estranho em seu peito... Bom, não por algum motivo. Era o fato que ele não teria mais a irmã ali. Não haveria ninguém dormindo no beliche de cima, nem ninguém pra dividir o guarda-roupa ou brigar pela cor das paredes do quarto. Não fazia muito sentido ter uma nostalgia tão grande por esse quarto, nem por Nuvema, mas a quantidade de anos que havia passado sem conhecer Hilda e Helga parecia tão insignificante comparado aos anos ao lado delas...

Ele preferiu não pensar muito sobre suas emoções, como de costume, e só pegou sua bolsinha de remédios em formato de Audino e a colocou dentro da bolsa maior. Era bom levar sua garrafa d’água também, mas ela não estava ali... Acabou que ele só desistiu de procurar, e desceu as escadas em direção a sala. Ele abriu a boca para dizer algo à mãe e à irmã, mas freou ainda na metade dos degraus quando percebeu que estava interrompendo algo.

 — Hilbert, vem cá. — pediu Helga, bem no momento em que ele estava considerando voltar para o quarto.

 Ele chegou perto de forma hesitante, sem dizer uma única palavra. E também sem dizer nada, a mãe o puxou pelo braço para se juntar ao abraço. Assim como tinha feito com sua irmã, ela lhe deu um beijo na cabeça.

— Toma cuidado, tá?

— Mãe, você sabe que eu vou voltar, né? — Hilbert deu uma risadinha.

— Eu sei.

A voz de Helga estava tão trêmula de emoção, que o sorriso de Hilbert passou de exasperado para emocionado em questão de segundos. O seu Xtransceiver vibrou no seu pulso com a mensagem de alguém, mas ele não deu atenção. Demorou um minuto ou dois para os três se separarem, todos com os olhos marejados.

— Pensa pelo lado bom, pelo menos a senhora e o papai vão conseguir aproveitar o aniversário de dez anos de namoro de vocês sem ter a Hilda por perto pra atrapalhar — brincou o menino.

— Ei!

— Seu pai que me perdoe, mas... Eu preferia muito mais ter vocês dois aqui. — Mesmo dizendo isso, Helga sorriu. Mas pigarreou para afastar as lágrimas logo em seguida, voltando a pose de durona. — Ok, vão logo, antes que eu mude de ideia. Xô.

— Tchau, Swoobat. — Hilda fez um longo carinho no morcego, fungando. Ele parecia em paz com o fato que eles estavam indo embora. — Logo, logo eu volto. Dá tchau pro Basculin pela gente também, mãe!

Helga acompanhou os filhos até a porta. Toda e qualquer recomendação já havia sido dada na noite anterior, quando ela estava ajudando Hilda a fazer a mochila. Não havia muito mais a se dizer.

— Juízo, hein? — Ela disse, com carinho na voz. — Mandem mensagem quando chegarem em Accumula. Amo vocês.

Os dois se viraram e falaram em uníssono:

 — Te amo também!

E assim eles seguiram o mesmo caminho que haviam feito pela manhã, exceto que ao final seguiriam para o nordeste da cidade, rumo à Rota 1. Ambos percorreram uma parte do trajeto em relativo silêncio. Hilda estava com um sorriso de ponta a ponta da boca, quase pulando enquanto andava. Hilbert pensava em como seria uma caminhada chata até Accumula. Pelo menos o sol da primavera não era escaldante e o caminho era curto.

Ele decidiu checar as mensagens do seu Xtransceiver. Havia duas, uma de Cheren e outra de Bianca.

 

Ele respondeu ambos de forma breve e mostrou as mensagens a Hilda, que deu um longo suspiro.

— Dona Dragomira deve ‘tar irritadaça... Lá vai o irmão dela aprontando de novo. O que ele fez agora?

— Quando a gente chegar no Centro de Accumula, a gente descobre, só olhar na TV. Seja lá o que for, o jornal já deve estar sabendo.

— E o seu Rossi? Essa praga não ia pra uma reunião de negócios? O que ele tá fazendo aqui?

— Se ele perguntar pela Bianca, a gente diz que não viu ela.

— É uma boa. Eu pensei em sair correndo mesmo.

— É uma opção também — ele deu de ombros.

 Após mais alguns minutos de caminhada silenciosa — por sorte, sem esbarrar no pai de Bianca —, os irmãos chegaram a Rota 1, logo após passarem do grande portão que separava o condomínio fechado que era Nuvema do resto do mundo. As longas fileiras de flores nas laterais da rota estavam começando a florescer, e muito em breve, pétalas cor-de-rosa iriam tomar conta do canteiro. Não era o caso agora, já que o inverno tinha acabado de terminar, muito para o alívio de Hilbert. Menos pólen significava menos chances de uma crise de espirros. Fora o campo de flores e a vista para o mar à esquerda, não havia nada mais de muito impressionante naquela rota. Era uma mera estrada curtinha perto da costa, ligando as duas cidadezinhas de Nuvema e Accumula.


Havia uma coisa um pouquinho — ênfase no pouquinho — impressionante sobre essa estrada de terra, na verdade: Aquela era a rota conhecida por ter a maior concentração de ninhos de Patrat da região. Os pequenos roedores geralmente não eram agressivos, mas um passo em falso, e seu pé podia cair com tudo em um túnel feito por eles, e aí sim eles se tornavam um perigo.

Hilda respirou fundo a brisa salgada, e segurou a mão do irmão, que franziu a testa.

  Que foi?

  Bom... Eu e a Bibi combinamos de todos nós darmos o primeiro passo na Rota 1 juntos. Mas nem ela nem o Ren estão aqui, então... Bora?

Ele sentiu a necessidade de lembrar que tecnicamente, ele não era parte dessa jornada... Mas seria chato cortar o barato dela quando ela parecia tão feliz.

— Ah, por que não? —  Ele suspirou.

— No três! Um, dois...

Três. Eles caminharam lado a lado com passos sincronizados por alguns momentos, também em silêncio, assim como tinha sido o caminho por Nuvema. Foi um começo de jornada surpreendentemente quieto, mais quieto do que qualquer um dos dois esperava. O que não era algo ruim. Só diferente.

E falando em algo ruim... Hilbert agarrou o pulso da irmã quando ela ia dar o próximo passo à frente, lhe dando um susto.

 Espera!

— Que foi?!

— O que você vai fazer se aparecer um Pokémon selvagem? Seu Snivy não tá desmaiado?

Silêncio. Hilda pôs a mão no queixo.

— Vish...

Como que você esquece disso?!

— Tu também não lembrou!

— De quem é esse Pokémon? É meu ou teu?! — Hilbert massageou as têmporas, incrédulo. — Só vamos pra casa do Cheren, os pais dele tem aquelas máquinas-

— Precisa não, pô! É só a gente seguir reto e desviar do que a gente encontrar no caminho!

— Quê?! Sabe quais são as chances disso dar errado?! Correr não vai adiantar se um Patrat quiser te dar uma mordida na bunda!

— Como assim, cara?! Olha o tamanho das patinhas desses bicho e olha o tamanho das nossas pernas! — Hilda usou as mãos para apontar para seus próprios pés.

— É, porque a última vez que a gente saiu por aí sem ter nenhum Pokémon deu super certo... — Hilbert bufou. — Não dá pra saber o que vai aconte-

— Ah, vai ficar tudo bem!

 E tendo dito isso, ela seguiu caminhando a passos largos na frente. Não tendo muita escolha, Hilbert foi atrás dela, suspirando de frustração e olhando para todos os lados.

— Tem muita gente de Nuvema que trabalha em Accumula, passa por essa rota todos os dias e nunca acontece nada! — Hilda tentou argumentar. — Por que com a gente seria diferente?

Como se fosse pra provar o ponto da garota, uma picape velha passou ao lado das crianças, que foram pro canto da estrada pra desviar.

— Porque essas pessoas têm Pokémon! Elas tem uma forma de se defender!

— Uau, nossa, pra se defender de Patrats e Lillipups. Perigoso demais. Vamo precisar de um Haxorus pra se proteger deles!

— Hilda, você tem que parar de subestimar os Pokémon. Qualquer Pokémon pode ser perigoso se ele se sentir ameaçado. Eles podem ser e provavelmente são mais fortes que um ser humano.

— Com certeza são mais fortes que tu, que não se garante nem na corrida, nem na porrada. Se um Audino quisesse te pegar, certeza que ele conseguiria!

Hilbert pegou ar para dizer algo, mas fechou a boca na metade do caminho, e logo depois suspirou e cruzou os braços.

— Ok, você tem um ponto. Mas esse não é o pont-

— ‘Cê sabe que os Patrats tão sempre atentos a tudo, né? Se eles achassem a gente uma ameaça, já teriam visto a gente e já teriam atacado. Se eles não tivessem acostumados com humanos, se pá até iriam atacar do nada, mas eles vêem gente nessa rota todo santo dia!

E mais uma vez, ele abriu a boca para falar alguma coisa. E, mais uma vez, Hilbert não tinha o que dizer. Ele sentiu as pontas das orelhas arderem. Ele disse a ela para não subestimar os Pokémon, mas ele próprio a estava subestimando...

— É... Faz sentido. — O garoto abaixou um pouco a aba do boné que havia pegado da irmã. — Se a gente ficar no caminho, deve ficar tudo bem.

— Ei, não foi pra lá que rolou aquela briga?

Hilda apontou para esquerda, para o mar. Mar este que era a única coisa que eles conseguiam ver além da floresta que era próxima a Nuvema. Se tivesse algum sinal da confusão, estava além de onde a vista alcançava.


— O que é que tem pra lá mesmo? — questionou ela.

— Mais floresta, mais mar, e depois... Uma ilha, acho? Parece que ela nem conta como Unova mais, tá além da fronteira da região. Literalmente uma terra de ninguém.

— Ah.

Os irmãos pararam por um momento, ainda encarando o barulhento oceano e a praia cinzenta a frente deles. Uma visão familiar, assim como era para todos os que moravam em Nuvema. A brisa salgada está permanentemente cravada no cérebro dos habitantes, assim como o cheiro das flores daquela rota. Era sempre a mesma coisa nessa parte isolada de Unova.

— Não gosto desse lugar. — concluiu Hilbert

— Por quê? É mó bonito.

— É tudo muito quieto. Não parece que algo vai sair da água a qualquer momento e te engolir?

— Não? — Ela riu. — ‘Cê é paranóico demais. Vamo embora, daqui a pouco a gente chega na ladeira!

Pelo que parecia a trigésima vez naquela manhã, Hilda saiu na frente, e Hilbert resmungou antes de segui-la.

Odeio essa ladeira. Como que os véio sobem esse inferno todo dia? —

Infelizmente, era necessário passar por ela, já que Accumula era o ponto mais alto do quieto sudeste de Unova.

— Aaaaaah, não é nem tão alta assim, só é meio longa! Ninguém escala a Twist Mountain com esse pensamento!

— Ainda bem que eu não vou escalar montanha nenhuma!

Hilda olhou pra trás para encarar o irmão com um sorrisinho maldoso no rosto.

— Ok, vou acreditar em você.

Ele sabia exatamente o que ela estava pensando, mas decidiu guardar fôlego, preferindo apenas olhar feio para Hilda. Que, por sinal, subia a faixa mais alta de terra sem a menor dificuldade graças ao seu porte atlético. O que, na opinião de Hilbert, era uma das coisas mais irritantes sobre ela. Pessoas que são boas em Educação Física são privilegiadas sim, e nada tiraria isso da cabeça dele.

Em questão de — longos, longos — minutos, Hilda chegou ao topo da ladeira enquanto seu irmão se arrastava sem muita vontade, já com a respiração ofegante e com o rosto vermelho. Quando finalmente chegou ao topo, ele se abaixou de leve, colocando as mãos no joelho e respirando fundo.

— Credo, que drama. Uma vida pra subir uma ladeirinha!

Hilbert só lhe deu o dedo do meio como resposta, e desviou a mão quando Hilda tentou mordê-la.

— Sai, porra!

— Ow, uma pergunta: ‘Cê contou pra tua mãe onde 'cê tá indo? 

 A expressão do garoto azedou ainda mais, se é que isso ainda era possível.

 — Por quê tá perguntando isso do nada?

— Curiosidade. 'Cê falou que parece que ela tá tentando ficar mais presente.

— Quando a gente parar no Centro de Accumula eu mando mensagem... — Ele revirou os olhos e se endireitou. — Ou nem isso também. Não devo nada da minha vida pra aquela mulher. E ela tava tentando. Ano passado. Esse ano parece que ela voltou a desistir.

— Faz quanto tempo que ela não te manda mensagem?

— Desde o Ano Novo. Ela claramente não tá nem aí, pra quê eu vou me dar ao trabalho de ficar indo atrás?

— É, jus-

Ai! Guinchou uma voz feminina do outro lado da rota.

Os irmãos viraram o rosto na direção do grito e se depararam com uma familiar garota loira caída com a cara no chão... Mas erguendo uma Poké Ball no ar de forma triunfante.

— Ê, Bianca... — Hilbert suspirou, com um ar de riso.

E juntos, os dois irmãos caminharam até ela com a intenção de descobrir o que tinha levado a amiga a comer terra.

              


 

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