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Capítulo 5 - Liberdade

O palco de madeira, que parecia ser bem compacto, estava estrategicamente posicionado ao lado de um dos caminhos principais do Slither Park.

 — Bom dia, senhoras e senhores. Antes de mais nada, agradeço genuinamente a atenção de cada um de vocês. Meu nome é Sterling, e estou aqui representando o Grupo Plasma, e nosso líder, Ghetsis Harmonia Gropius.

— “Harmonia”? — Hilbert resmungou pra si mesmo.

 Sterling era um garoto que provavelmente não era tão mais velho que Hilda, mas seus olhos cansados e seu rosto pálido lhe envelheciam um tanto. Por outro lado, o sorriso leve e cabelo ruivo e espetado revelavam sua verdadeira idade. Ele usava o mesmo uniforme azul e branco dos outros Plasmas atrás dele, mas usava uma capa marrom por cima e um par de luvas pretas.
Arte by @zentherainbowunicorn

— Hoje, eu gostaria de conversar com vocês sobre... Liberdade. — Seu sorriso aumentou um pouco mais ao som dessa última palavra. — Pra ser mais específico, a libertação dos Pokémon.

— Ah... — um rapaz ao lado dos irmãos revirou os olhos. — É um daqueles grupos...

 Algumas pessoas assistindo tiveram reações similares a dele, outras cochicharam entre si, confusas.

 — Eu sei, eu sei, vocês já devem ter ouvido isso antes, mas peço encarecidamente que me dêem uma chance. Não estamos fazendo isso pelo dinheiro... O que nos torna diferentes de outras organizações, vocês se perguntam? E eu respondo: Nós temos uma filosofia, um código moral sólido como base de nossas atividades.

Os irmãos continuaram prestando atenção no rapaz de cabelos vermelhos, que andava de um lado para o outro enquanto falava.

— A grande maioria de vocês acreditam que nós, humanos, e Pokémon são parceiros. Parceiros que vivem juntos porque queremos e precisamos uns aos outros. Porém... Já consideraram que talvez essa seja a verdade que nós queremos acreditar? Independente se você é religioso ou não, todos concordamos que no começo de tudo, humanos e Pokémon foram criados separadamente, certo? E eu levanto a seguinte questão: Quem somos nós para desafiar esta ordem natural? Se fomos criados para sermos iguais, como boa parte do mundo acredita... Por que não temos as mesmas habilidades? Por que nós não podemos criar tempestades, mover montanhas ou fazer árvores crescerem?

Isso é uma perda de tempo... Snivy murmurou pra si mesmo.

— Considerando que Pokémon viverem na natureza é a ordem natural das coisas... Será que nós realmente temos uma parceria justa? Não parece que temos mais a ganhar do que eles, especialmente quando Pokémon se machucam em batalhas, em centros de reprodução e nas mãos de pessoas de má índole? Alguém pode me dizer com certeza que não há verdade alguma no que estou dizendo?

Pausa dramática. Ninguém se manifestou. Se era porque ninguém tinha nada a dizer ou todos estavam intimidados com o pessoal atrás de Sterling, era difícil dizer.

Eu repito, quem somos nós? Quem somos nós para querer brincar de Arceus e afirmar o que é certo ou errado para os Pokémon, principalmente quando somos tão mais fracos? Não é arrogante de nossa parte? Será que realmente vale a pena? Será que... — outra pausa dramática. Então, a voz dele ficou mais pesada do que antes. — É certo afirmar que somos iguais quando não somos nós que estamos sendo caçados, tirados do nosso ambiente natural e forçados a viver de outra forma?

Como se eu preferisse estar vivendo que nem um selvagem... — Snivy sibilou um pouco no pescoço de Hilda. — Não somos nós que somos os instrumentos dos humanos. Eles são os nossos.

O que quer dizer? perguntou Elgyem.

Shhh, deixa eu ouvir esse paspalho.

— Talvez, em um mundo ideal, nós poderíamos falar com os Pokémon e descobrir o que se passa na cabeça deles... Mas infelizmente, este não é o caso. — Por algum motivo, ele deu uma risadinha. — Nós do Grupo Plasma acreditamos que uma igualdade real entre humanos e Pokémon só será possível se libertamos os Pokémon! Peço de todo o coração que reflitam sobre minhas palavras e reconsiderem a relação que vocês têm com seus Pokémon... E qual é a forma correta de proceder. E considerem pegar os panfletos gratuitos que os companheiros à minha direita têm consigo também. Mais uma vez, agradecemos sinceramente a atenção de vocês. Muito obrigado, e tenham um dia maravilhoso.

Sterling deu um aceno de cabeça grato às poucas pessoas que o aplaudiram de forma tímida. Uma quantidade um pouco maior de pessoas se dirigiu a uma moça ruiva que carregava uma pilha de panfletos. Ela parecia empolgada de verdade com a fila que se formou em sua frente, mas só talvez porque isso significava que ela poderia ir para casa mais cedo.

— Esse pessoal não tá com calor com essa roupa não? — Hilda se perguntou.

— Só você tá com calor aqui, maluca. — Hilbert bufou, mas estava rindo. — Mas... O que você acha disso? Desses caras?

— Eu? Ah, assim... Cada um pode acreditar no que quiser se não for perigoso pra ninguém, eu acho. Se um humano e seu Pokémon querem ficar juntos, beleza. Se acharem melhor cada um ir pro seu lado, beleza também.

— Seria legal se todo mundo pensasse dessa forma...

Enquanto os irmãos conversavam, Snivy e Elgyem também faziam o mesmo.

O que eu quis dizer é que é idiotice afirmar que nós estamos sendo usados. Nós ganhamos abrigo, comida, segurança... E temos a oportunidade de viver ao invés de sobreviver. Podemos viver como quisermos, realmente ter um propósito maior ao invés de ficar pensando na próxima refeição. Se há um lado que é explorado nisso tudo, são eles, não nós.

E você está vivendo um propósito maior agora? Nia perguntou, curiosa.

Sim. Eu quero me tornar forte, e estou usando essa humana pra isso. Humanos são só meios para um fim, e nada mais. Ela é minha ferramenta, não o contrário!

— Será que esse pessoal é realmente um cul-

— O que você disse? — Uma voz à frente interrompeu Hilda.

Hilbert, Hilda e seus Pokémon se viraram na direção do som. Snivy deu um guincho que parecia um arquejo de susto, e pulou do pescoço de Hilda, indo em direção a um garoto alto de cabelos verdes.

Você é aquele humano da floresta!

Ele se vestia como um treinador normal, à primeira vista, com um boné preto e branco surrado, uma camisa branca com uma camiseta por baixo e calça bege. Ele usava um bracelete preto e algumas pulseiras douradas em cada braço, e havia algo parecido com um cubo mágico pendurado no seu cinto.

O que chamava a atenção nele era que seu longo cabelo preso num rabo de cavalo estava uma completa bagunça. Se ele se deu ao trabalho de pentear o cabelo ao acordar, não parecia. Sua postura nervosa, pele pálida e olhos cinza levemente arregalados não ajudavam na impressão dele parecer um tanto... Desequilibrado.


— Ô, peraí! — Hilda seguiu seu Pokémon, surpresa com o pulo repentino.

— Floresta? — O rapaz franziu a testa de surpresa, olhando para Snivy. — Como... Como você sabe onde eu estava?

— Hã?

Ao olhar pro chão em direção a Snivy, Hilda percebeu que o garoto estava machucado. Sua calça tinha um rasgão feio na perna direita, que estava enrolada em bandagens. Foi nesse momento que ele notou a presença da menina a sua frente. Ele piscou algumas vezes e endireitou sua péssima postura, limpando a garganta.

— O-olá. Bom dia.

— Que floresta? — Ela foi direto ao ponto.

— Ah... Você não consegue ouvir. Obviamente. — Ele parecia mais desapontado do que qualquer outra coisa. — É que... Seu Snivy estava me dizendo algo.

Falando nele, ele voltou a sibilar e guinchar, apontando o bracinho pro rapaz como se o acusasse de algo.

Foi você que arregaçou o grandão de metal, não foi?!

— E-ei, eu fiz porque foi necessário... Além do mais, Klinglang está bem. Iremos levá-lo para tratamento em breve. Mas o que um Pokémon como você estava fazendo na floresta de madrugada?

— Espera, 'cê... Fala com os Pokémon?

—Hã, sim. — Ele respondeu casualmente, ainda um pouco vermelho depois do que seja lá o que fosse que Snivy tinha dito. — Consigo ouvir as vozes deles...

Que daooooora! — O rosto de Hilda se iluminou de empolgação. — Hibi, 'cê ouviu isso?

Ela se virou para Hilbert, que estava parado no mesmo lugar, encarando o rapaz a frente deles com um olhar estático como se estivesse em um transe. Sua respiração parecia um pouco pesada.

Hilbert!

Ah! Hã, oi! Que foi?

— Esse cara aqui fala com os Pokémon! Ele tava falando com o Snivy agorinha!

— Ah, é? — Ele piscou, se aproximando. — É sério? E o que ele tá dizendo?

— Hum... É que... Eu estava na floresta procurando um Pokémon de um... Amigo... E acho que a gente se encontrou. Digo, na verdade ele me encontrou. Eu não o vi... — Ele falou tudo isso bem rápido.

— Na floresta? E o que ‘cê tava fazendo lá? — Hilda perguntou ao seu Pokémon.

Snivy cerrou seus olhos amarelos e fez um barulho mais grave do que o normal...

Cuida da sua vida, songamonga.

...E o garoto de cabelos verdes abriu a boca em indignação.

— Isso não é nada educado! — Ele bufou. — Nunca pensei que ouviria um Pokémon falando essas coisas...

Elgyem o cumprimentou com o mesmo padrão que tinha usado mais cedo: Verde duas vezes, e logo depois uma sequência longa e rápida de cores.

Oi, bom dia! Meu nome é Nia! Peço desculpas pelo Emerald... Ele não sabe o que fala.

— Olá, bom dia. Sem problema, não é sua responsabilidade.

Como assim não sabe o que fala?! Acabei de te conhecer e você já tá querendo pagar de superior pra cima de mim?!

— Você entende o que ela tá... Sinalizando? — Hilbert ergueu uma sobrancelha.

— Sim. E você não precisa ouvir a voz dos Pokémon pra isso. — Ele voltou a dirigir o olhar pra Elgyem. — Você foi criada por humanos, não foi? Então seu padrão é baseado no nosso sistema fonético.

Sim! — Vermelho, verde e vermelho.

— Foi o que eu imaginei.

De forma bem desajeitada, Hilbert tirou um caderninho e uma caneta da sua bolsa que, por sorte, estavam lá há um tempão e ele não tinha se dado ao trabalho de tirar. Ele conseguiu anotar a próxima: Vermelho, amarelo, verde, amarelo.

O rapaz é meu mestre, e a moça é a irmã dele!

O sorriso gentil do garoto sumiu por um momento, mas voltou rapidamente.

— Ele é seu mestre, então... Qual o nome dele?

Elgyem hesitou por um momento antes de responder. Dessa vez, Hilbert e Hilda fizeram questão de prestar atenção às luzes: Verde, verde, verde, amarelo, amarelo, verde, amarelo, amarelo.

— Hilbert?

— Cacete! Você consegue mesmo! Que genial! — Hilda abriu a boca, espantada.

Hilbert parecia ter voltado ao seu estado de choque. Ele parecia estar com o rosto vermelho, dessa vez. Mas isso não o impediu de anotar que cor representava cada letra de seu nome.

— Como eu disse, qualquer pessoa pode aprender... Embora acredite que seja um pouco mais difícil pra maioria do que pra mim. — A postura dele quebrou por um instante. — N-não querendo me gabar, ou algo assim.

— Fala pra ele qual é meu nome! Por favor! — Hilda pediu pra Elgyem.

Verde, verde, verde, vermelho, vermelho.

— Hilda?

Que fodaaaaa!

— Ah, esqueci de me apresentar. Perdão. — Ele limpou a garganta. — Meu nome é N. É um prazer conhecê-los, Hilbert, Hilda, Emerald e Nia.

— Emerald? Nia? — Hilbert franziu a testa, levantando os olhos do caderninho por um momento. — São os nomes deles?

— Sim... É triste que vocês não consigam ouvir. — Ele então sacudiu a cabeça de leve, piscando. — D-de novo, não que eu esteja tentando me gabar.

N? Que nome de esquisito. — Emerald parecia mais curioso que zombeteiro. —Não só o nome, na verdade. Você é todo esquisito.

— E você é todo rude! — N retrucou.

Não é a primeira vez que me chamam disso. Tenta ser mais criativo na próxima, tá bom? — A serpente deu um pulo alto pra voltar pro ombro da sua treinadora.

— Hmph! — Ele então voltou a olhar pros irmãos. — Enfim. Vocês... Ouviram o que eles estavam dizendo? Esses Plasmas?

— Ouvimos... Mas o que eu tava me perguntando sobre era o nome que eles falaram. Harmonia. Esse não é o sobrenome da antiga família real? — Hilbert perguntou.

— Rapaz, nem sabia que ainda tinha família real por aí... — Hilda comentou, distraída, tentando fazer carinho na cabeça de Emerald que seguia desviando da mão dela. — São eles que tão financiando esses Plasmas?

— Assumo que sim... — N desviou o olhar, encarando o chão por um momento. — Sabe, quando eu escuto o que eles tem a dizer...

As pulseiras douradas em seu braço esquerdo fizeram barulho ao se chocar uns contras as outras quando ele puxou o cubo mágico estranho que estava preso no seu cinto pra junto de si e começou a girá-lo. Não parecia estar tentando terminá-lo, no entanto. Se é que era sequer possível fazer isso mesmo se ele quisesse, já que ele tinha um buraco no meio...

— Não consigo deixar de pensar em quantos Pokémon são confinados em Poké Balls... E por quê? Pra batalhar em Ginásios, pra completar Pokédexes... Será que... Eles realmente são felizes assim?

— Ué, ‘cê não pode só perguntar a eles? — Hilda indagou.

— Não... — N ergueu os olhos pra encarar a garota. — Quer dizer, sim, mas não a todos os Pokémon do mundo. Será que vale a pena o risco? O risco de que tenham tantos Pokémon que são abusados pelos humanos... Vale a pena que uma minoria continue sofrendo por uma suposta maioria?

— Vale a pena as pessoas continuarem tendo filhos quando tem tantos pais de bosta no mundo?

Hilbert guardou o caderninho de volta na sua bolsa e colocou as mãos nos bolsos quando N virou o rosto pra encará-lo, evitando seus olhos cinzas. Sua Elgyem, que ainda estava com os bracinhos apoiados no ombro do garoto e as pernas flutuando no ar, o olhou com curiosidade.

— A humanidade tem que continuar de alguma forma, né?

— Acho que... — O olhar de N ainda estava em Hilbert quando ele murmurou, mas seus dedos estavam mexendo no cubo mágico. — Existem muito mais humanos ruins do que Pokémon ruins.

— Isso eu vou ter que concordar. — ele deu de ombros. — Pelo menos Pokémon não saem por aí, sei lá, matando pessoas.

— A humanidade tem que continuar, você diz... Mas por que a humanidade e os Pokémon têm que continuar juntos?

— Porque é muito melhor a gente ficar junto do que separado! — Hilda disse. — Que nem pessoas. Ninguém nasceu pra ficar sozinho.

— Estaticamente, isso é verdade também. — Seu irmão concordou. — Pokémon vivem vidas muito mais longas e confortáveis vivendo entre os humanos do que na natureza.

Viu? Foi exatamente o que eu falei! — O Snivy no ombro de Hilda se gabou.

— Os Pokémon vivem vidas mais longas na natureza do que quando são contrabandeados.

— E humanos vivem vidas mais longas quando não morrem de um súbito ataque cardíaco fulminante. — Hilbert disse, com a maior naturalidade.

Hilda deu uma risadinha pelo nariz, acostumada a ouvir essas coisas dele. N, por outro lado, arregalou os olhos.

— Eu posso cair morto a qualquer momento. — Hilbert continuou, sem mudar de expressão. — Posso tropeçar no fio da calçada, bater a cabeça no chão e morrer em segundos. Mas as chances são baixas, então pra quê eu vou ficar me preocupando com isso? Do que adianta parar de viver se nada nunca vai ser perfeito?

— Você não acha que deveríamos pelo menos tentar mudar as coisas ruins? — N parecia mais confuso do que com raiva.

— Mas não é meio que pra isso que treinadores servem? — Perguntou Hilda. — Juntos teremos que o mundo defender, e tudo mais? Ser a mudança que a gente quer ver?

O garoto de cabelos verdes ficou encarando o chão em silêncio por longos segundos, parando de girar cubo mágico e só batendo nele com a ponta do dedo indicador. Quando ele levantou a cabeça e abriu a boca pra dizer algo, Hilda foi mais rápida:

— Ô, N, vem cá, ‘cê não quer ir com a gen- Ai!

A proposta dela foi interrompida quando seu irmão lhe deu uma cutucada nas costelas. Ele discretamente fez que não com a cabeça quando ela se virou pra olhá-lo com uma expressão indignada.

— Ir? Pra onde?

— Na nossa jornada! — Hilda falou bem rápido antes que Hilbert pudesse agredi-la de novo.

— Ah. — N corou. — Eu... Eu agradeço, mas eu só vim pra Accumula pra fazer algo. Só estou de passagem, e depois... Vou voltar pra casa.

Hilbert se perguntou se esse “algo” que ele havia feito tinha algo a ver com o machucado na sua perna, mas decidiu não comentar sobre em voz alta.

— Onde que ‘cê mora?

— Hã... — Ele hesitou. — Ao norte de Lacunosa.

— Caramba, bem longe, né? E Pokémon? ‘Cê tem? Topa uma batalha?

— Eu... Eu tenho, mas... Ele tá almoçando com meu pai- — Ele ficou mais vermelho ainda. — Companheiro de viagem! Companheiro, quero dizer.

— Então me passa aí teu número pra gente batalhar qualquer dia desses!

— T-tá...

E para a surpresa dos irmãos, N tirou do bolso da calça um modelo de Poké Gear que poderia ser descrito como ancião. Parecia mais um tijolo verde-limão que abria e fechava com um teclado embutido no lado direito.

Meeeeu Arceus… — Hilda tentou segurar a risada. — Isso aí funciona ainda?

— Funciona… Se a data e a hora estiverem corretas, funciona.

— Nossa, onde foi que você arranjou isso?! — Hilbert se aproximou pra dar uma olhada. — Eu bem que queria um desses… É bem mais legal que os atuais.

— Eu acho também. — Ele sorriu pela primeira vez desde que a conversa havia começado. — Minha irmã que me deu de presente… Posso perguntar a ela onde ela conseguiu.

— Pergunta e me avisa. Pode pegar meu número também.

Demorou um tempinho até que N digitasse os números completos de Hilda e Hilbert no teclado minúsculo daquele fóssil, mas deu certo.

— A gente vai conversando, e se ‘cê tiver por perto, a gente faz aquela batalha, viu?

— Ok… Hã, eu preciso ir agora… Mas foi um prazer conhecê-los. — Ele se curvou levemente. — Obrigado pela conversa. Espero encontrá-los de novo em breve.

— Vai pela sombra, meu querido. — Hilda lhe deu um tapinha amigável no ombro.

— Irei. Não gosto muito de levar sol.

Hilbert deu uma risadinha pelo nariz ao ouvir isso, e acenou com a cabeça pra se despedir. N saiu quase correndo pro outro lado do Slither Park, olhando pra baixo e passando reto das poucas pessoas que ainda se reuniam ao redor dos membros do Grupo Plasma.

—  ‘Cê acha que o nome dele é N mesmo?

— Pode ser só apelido de internet, de repente.

— Com aquele Poké Gear, sei lá se ele sabe o que é internet… Mas que raridade, hein, ‘cê querendo dar seu número pra alguém! — Ela lhe deu uma cotovelada de leve, sorrindo maliciosamente.

— Cala a boca. — Ele riu.

Então você encontrou um Klinklang na floresta? — A Elgyem perguntou ao Snivy, ainda interessada na conversa que estavam tendo antes do discurso dos Plasmas.

Ah, sim. Quando eles foram embora, um dos meus colegas de laboratório encontrou esse objeto estranho dentro do lado, que tinha sido jogado por-

— Ô, bora batalhar? — Hilda sugeriu.

Hilbert olhou com o canto do olho pros lados como se estivesse procurando alguém.

— É contigo mesmo! Faz tantos anos!

— Eu? — Ele ergueu uma sobrancelha, debochado. — Que só tenho um Pokémon suporte?

— Mas ela tem Confusion, não tem não?

— Tem, mas... — Ele virou o rosto pra encarar o Pokémon no seu ombro. — Tudo bem por você?

Como resposta, a Elgyem flutuou pro chão, ficando logo na frente de seu treinador.

Nesse caso... — Snivy pulou do ombro de Hilda sem ela ter ordenado. — Nossa conversa vai ter que ficar pra depois que eu vencer.

Será?

Está confiante, hein?

Não. É uma pergunta genuína. Nia virou de leve a cabeça pro lado. — E é interessante ouvir isso de você.

Depois de se moverem para um cantinho mais isolado do parque, tudo estava pronto pro começo da batalha. Emerald se colocou em posição de corrida, pronto pra largar. Enquanto isso, se Nia estava ansiosa, não demonstrava.

— A gente começa no um, dois, três, ou-

Hilbert foi interrompido por sua irmã antes que pudesse terminar a frase:

Vine Whip!


A cobrinha partiu com tudo, numa velocidade que chegou a arrancar pedacinhos da grama do parque. Hilbert pulou de susto, e gritou numa voz esganiçada:

Protect!

Ela ergueu o bracinho, as luzes de sua pata piscaram em vermelho, verde e verde, logo Emerald bateu a cabeça com tudo na barreira azul semi-transparente  levantada pela alien, cambaleando um pouco pra ficar de pé.

Você está bem?

Por que você tá me perguntando isso agora?! — O Snivy rosnou.

— De novo! — Hilda ordenou.

— D-de novo também? — Hilbert ordenou, mas bem mais confuso.

O Pokémon de grama tentou agarrar um dos braços de Elgyem com uma de suas vinhas que saíram de sua patinha, mas foi em vão, pois o escudo havia sido erguido novamente.

— Ué, eu achei que Protect só funcionava uma vez! — Exclamou Hilda.

— Quanto mais você usa, menor é a chance de funcionar.

— Ah... Então eu errei essa questão na prova... — Ela murmurou pra si mesma, abaixando a cabeça.

No instante que o Protect desapareceu, Emerald seguiu com seu plano e enrolou sua outra vinha no outro braço de Nia. Ela até tentou puxá-lo para trás, mas ela não tinha força física o bastante pra isso, nem pra tentar flutuar pra cima quando o Snivy a puxou pra baixo e a fez bater com a cabeça no chão.

Hmph. Essas crianças não fazem ideia do que estão fazendo...

Tendo dito isso, Emerald ergueu Nia para repetir o mesmo ataque, mas antes que ela pudesse bater no chão de novo, Hilbert gritou:

Teleport!

Por um momento, seu corpo se transformou em linhas multicoloridas como se fosse um holograma, e em um piscar de olhos, a Elgyem desapareceu, e a serpente segurava o nada. Ele se virou pra trás, e ali ela estava, com a mãozinha na parte da cabeça que havia machucado.

Você é forte. — Observou ela.

— Pra cima dela! — Hilda pediu, animada, socando o ar.

— Calma aí, cacete! — Hilbert reclamou. — Teleport de novo!

— Calma aí nada, tem que pensar rápido!

— Você sabe que eu não sou bom nisso!

Os irmãos ficaram alguns segundos acompanhando com os olhos enquanto Emerald tentava acertar Nia com suas vinhas, mas em vão, pois ela desaparecia e reaparecia rapidamente... Mas o teleporte não conseguiria fugir dos olhos de uma cobra por muito tempo. Em dado momento, ela se descuidou e foi atingida no rosto.

— Boa! — Comemorou a garota, pulando.

Te peguei. — O sorriso do Snivy era quase sádico.

Ele a pegou pelo pé com a vinha e começou a arrastá-la pra perto de si pra encerrar aquela batalha de vez.

T-Thunder Wave! — O coração de Hilbert parecia que ia sair pela boca.

Nia virou o braço pra trás. Amarelo, verde, amarelo, e então anéis de eletricidade azul saíram de sua mão, mirando bem no tronco de Emerald, que por sua vez, largou Nia quase que de imediato. Seus músculos se contraíram, e seu sorriso ficou paralisado no lugar, mesmo que seus olhos estivessem se enchendo de frustração.

Argh... Odeio essa porra...

Já foi paralisando antes? Como de costume, a alien não esboçou muita emoção.

E isso... É hora p-pra você fazer pergunta?!

Pela primeira vez, Hilbert sentiu confiança que talvez ele teria uma mísera chance de vencer. Seu coração parecia que ia sair pela boca. Era essa a empolgação que Hilda sentia sempre que batalhava?

Confusion!

A luz verde em sua mão piscou quatro vezes. Foi um golpe crítico. Ondas tremulantes de energia saíram dos olhos de Elgyem, que brilharam com um tom verde mais intenso que o normal. Num segundo, Snivy só via o círculo de luz roxo na sua frente. No próximo, ele voou longe como se tivesse tomado um soco debaixo do queixo, parando na frente dos pés de sua treinadora, que imediatamente se abaixou pra ver como ele estava.

Hilbert ficou parado onde estava de olhos arregalados e de boca aberta. Boca essa que fechou quando ele viu Nia educadamente curvando a cabeça pra ele.

— Não, não, foi você que fez todo o trabalho... Eu não tinha ideia do que tava fazendo. — Ele disse em voz baixa. — Hã... Obrigado? Pela batalha?

Em resposta, ela acendeu uma combinação rápida de cores que ele nem conseguiu registrar, mas o garoto supôs que ela estava satisfeita, já que ela voltou a sua posição de apoiar os bracinhos em seu ombro.

Enquanto isso, Emerald nem olhava pra Hilda, fazendo questão de virar o rosto quando ela perguntou se ele estava bem. Ela abaixou um pouco o boné no rosto e o devolveu à sua Poké Ball, dessa vez sem nem se dar ao trabalho de pedir desculpas, já que ela sabia que não ia adiantar.

— Se dê o devido crédito. — ela disse em voz alta, atipicamente séria, se levantando.

— Oi?

— Se dê o devido crédito. — Hilda repetiu. — É isso que ‘cê me diz, né?

Ela forçou um sorriso ao se aproximar do irmão, mas Hilbert notou que ela engoliu lágrimas. Pela segunda vez naquele dia, ambas causadas pela mesma coisa. Era difícil pensar em alguma resposta que a consolaria. Quando uma dúvida se plantava no cérebro de Hilda, tirá-la beirava o impossível. Então, torcendo pra ser o suficiente pra mostrar que ele se arrependia de ter aceitado essa batalha, Hilbert simplesmente disse:

— Desculpa.

— Que... — Sua voz saiu um tanto trêmula, mas ela limpou a garganta pra disfarçar. — Que pedir desculpa o quê, garoto? A gente batalhou, eu perdi, 'cê venceu. Tem que ser muito besta pra ficar se doendo pelo resultado... Enfim, tô com fome. Que horas são, hein?

— Hã... — Ele checou o Xtransceiver. — Dez pras onze e meia.

— Vamo procurar algum lugar pra almoçar, só comi o bolo da Bibi de manhã. Será que o Ren e a Bibi tão no Centro com a professora ainda? Não que importe, a gente vai ter que ficar aqui mesmo por causa da tua Licença... Ei, é só no Pokémon Café de Striaton que tem o Old Chateau, né?

Ela com certeza estava chateada.

— Old Gateau. — Ele corrigiu da forma mais delicada possível. — Chateau é o lugar. E sim, só tem em Striaton mesmo.

— Tanto faz, nem é bolo pra ser chamado de Gateau.

— Não, é um wagashi, e tem dois tipos de yōkan, um a base de água que-

— Nerdola. — Ela seguiu pro Centro, e seu irmão veio logo atrás.

— Sim, eu sou, mas! Eu cresci em Eterna, tenho obrigação moral de saber dessas coisas.

— O que tem a ver a mansão abandonada no meio do mato com o Gateau, aliás?

— Então, algum morador dessa mansão descobriu a receita dos tempos de Hisui, na época que usavam raízes e mel pra fazer o Gateau, que na época só era chamado de yōkan da floresta-

— Tá decidido, ‘cê vai ser o cozinheiro da jornada!

— Eu aceito. Melhor do que esse cargo ficar com você. — Hilbert deu de ombros. — Não sei como que você ficava viva quando a mamãe não tava em casa antes da gente entrar na família...

— A galera do porto jogava Basculin inteiros e pernas de Swanna pra eu pegar com a boca.

— Olha, vindo daqueles caras, eu não duvido, e isso me assusta.

Assim que os dois entraram no prédio vermelho e branco e a porta automática se fechou atrás deles, no topo de uma ladeira, o rapaz alto de cabelos verdes que estava os observando suspirou, cruzando os braços e se apoiando numa árvore.

— Eu não entendo. — ele disse em voz alta, olhando pra cima.

A primeira vista, parecia que ele estava falando sozinho, mas havia alguém sentado em um dos galhos da árvore que N estava encostado: Um homem com roupas de ninja, que no momento estava brigando com uma longa peruca branca, tentando colocá-la de volta na cabeça.

— Você realmente não gosta desse novo uniforme... — N observou enquanto voltava a girar seu cubo mágico.

Não. Esse inferno de peruca é muito mais difícil de colocar... — Quark grunhiu de frustração, puxando a parte da roupa que cobria seu peito pra baixo. — E essa parte de cima fica saindo do lugar! Quero meu uniforme antigo de volta... Enfim, o que você não entende?

— Eu não entendo aquele Snivy, o Emerald. Não só ele é mal-educado, diz coisas absurdas, mas também aceitou batalhar mesmo sendo nítido que ele ia sair ferido! E mesmo ele tendo perdido... Eu tenho certeza que ele vai tentar de novo. Por quê?! É quase... — Ele procurou pela palavra certa. — Masoquista. Isso tudo é um grande exercício de sadismo e masoquismo!

— Não sabia que você conhecia esses termos. — Quark comentou casualmente enquanto finalmente conseguia ajeitar sua faixa direito na cabeça.

— É... Eu... E-eu vi num livro. — O garoto corou, desviando seu olhar pro chão.

— Ok, nem vou me atrever a perguntar que tipo de livro foi. Muito menos se é permitido na biblioteca do castelo. Enfim. Pelo menos você conversou com gente da sua idade.

— Ah, sim... Hã... Você... Você acha que eu me saí bem? Na conversa?

— Bom, você pegou o número deles, não pegou? Então foi bom o suficiente. — Quark deu de ombros. — Fazer amigos vai te fazer bem.

— Acho que sim... Queria que todos que são contra a nossa verdade fossem tão gentis quanto eles foram.

— É, seria uma maravilha... — Se N pegou o sarcasmo na voz do ninja, não demonstrou. — Falando nisso. Ghetsis está aqui em Accumula. Ele disse que quer nos encontrar assim que pudermos.

— Aqui? O que ele veio fazer aqui?

— Disse ele que veio supervisionar o discurso do Sterling.

— Ah. Claro. O menino de ouro... — O garoto revirou os olhos.

— Mas ele quer conversar conosco também... Acho que sobre aquela ideia.

O coração de N bateu tão forte que ele conseguiu sentir na garganta. Ele sabia que era algo que estava planejado pra depois da coroação, mas... Não imaginava que seria tão cedo, menos de vinte e quatro horas depois. Parte dele queria só poder descansar um pouco antes de ter que começar a tarefa monstruosa que era partir em uma... Jornada. Talvez ter uma noite decente de sono primeiro seria bom? Mas não, um rei não poderia se dar ao luxo de descansar, não quando seus objetivos estavam tão próximos.

— Tudo bem. — Ele fez que sim com a cabeça, engolindo em seco. Como se ele tivesse escolha. — Mas... Onde está Scarlet?

— Não faço ideia, pra ser sincero. Deve estar causando caos por aí... Mas ele deve aparecer eventualmente. É só você chamar, que ele aparece.

— É, tem razão... — N respirou fundo. — Vamos, então.

E, tão rápido quanto haviam surgido na cidadinha de Accumula, os dois sumiram nas sombras.
              
                       

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