Capítulo 2 - Free-For-All


Hilda, Cheren e Bianca passaram longos, longos minutos encarando a caixa de presente sem dizer nada e Hilbert passou longos, longos minutos encostado na parede perto da porta, esperando alguém dar o primeiro passo.

— Talvez… — Cheren foi o primeiro a quebrar o silêncio, discretamente enxugando o suor das mãos na calça. — E se a gente ler a carta da professora primeiro?

— É! — Bianca fez que sim com a cabeça com um pouco de força demais. — Hil, lê aí pra gente!

— Ah, eu? — O sorriso dela se tornava mais forçado a cada segundo que passava, o que não era normal para ela, mas o nervosismo bateu com força após aqueles minutos silenciosos. — Ok!

Hilbert teve que dar um risinho ao ver os três nesse estado, principalmente a irmã, que estava engolindo em seco ao pegar a carta, sacudindo a perna com tanta intensidade que parecia estar vibrando.

“Crianças...” Hilda começou. — “Primeiramente: Parabéns! Nesta caixa se encontra o primeiro passo da jornada de vocês! Sinto muito não poder entregar seus iniciais pessoalmente, mas, como…— A garota semicerrou os olhos tentando continuar a leitura. — Caramba bicho, a letra da professora Juniper sempre foi esquisita desse jeito?

Provavelmente foi escrita às pressas, né?Bianca sugeriu.

Como repassei ao Cheren, surgiu um compromisso em Accumula e eu espero os encontrar lá muito em breve. Tendo dito isso, gostaria de falar um pouco sobre os Pokémon que vocês conhecerão.”

A morena interrompeu brevemente a leitura para sorrir para os amigos. Cheren devolveu o sorriso, o que era raro pra ele, e Bianca deu um guinchinho de empolgação.

“Indo pela ordem de Pokédex, temos Snivy, que, por falta de termo melhor, é um...Hilda deu uma risada pelo nariz. “... Danadinho. Competitivo, odeia perder. Ele é comportado o suficiente para não ser inadequado para novos treinadores, mas recomendo pulso firme para quem o escolher. Ele é dono de uma personalidade bem forte.”

Ah, se ele é difícil, então... A expressão de Bianca entristeceu-se.  Pena, eles são tão fofinhos.

Você acha um Snivy fofo? Cheren cruzou os braços e franziu a testa.

Ué, você não?

Enquanto isso, Hilbert folheava uma revista antiga de jogos que estava criando poeira na estante ao lado da TV. Há quantos anos ele não via uma dessas?

— “Temos também Tepig.” Hilda continuou. — “Ela passou por umas poucas e boas. É uma longa história que só terei tempo de contar outro dia, mas vocês verão na hora que ela é especial. Não só fisicamente, mas ela é muito meiga. Muito querida por nós do laboratório, por mais que ela seja desajeitada e saia derrubando tudo às vezes.”

Igual você, Bianca. Hilbert falou, erguendo os olhos da revista.

Eeeeeiiiii!

— “E por fim, temos Oshawott. Por fora, ele pode parecer tímido, mas tem um lado palhaço escondido, basta conhecê-lo melhor. Dentre os três, é o mais fácil de lidar. É um Pokémon muito fiel, a ponto de se apegar demais nas pessoas. Demorou um pouco para convencê-lo a ser entregue a um novo treinador.”

Ah, que pitiquinho!

“Decidam entre si, sem brigas, e os verei em Accumula! Aproveitem os Pokémon!” Hilda respirou fundo. É isso… Tá na hora.

A garota puxou a fita verde que amarrava a caixa e ergueu a tampa. Dentro do seu interior de veludo vermelho, havia três Poké Balls, cada uma com o símbolo do tipo de seu respectivo Pokémon encravado nela. Uma folha, uma chama e uma gota. E sem mais delongas, Hilda as abriu, e os três iniciais da região de Unova apareceram diante deles.

A porquinha de fogo, Tepig, foi a primeira a se aproximar dos adolescentes aos pulos… E caiu de focinho no chão logo em seguida, derrapando um pouquinho no chão de madeira, o que fez Bianca arquejar em surpresa, e Cheren e Hilda darem um risinho mal disfarçado. Hilbert até ergueu os olhos por um instante com o barulho.

— Você tá bem? — perguntou Cheren, se abaixando.

Ela se levantou rapidamente, sacudindo a cabeça de leve e se endireitando.

Ei, Tepigs não deviam ter um rabo?

Agora que Hilda havia mencionado… De fato, ela não tinha a cauda enrolada com a esferazinha na ponta que seria característico da espécie.

Ah, era isso que a professora se referia quando disse que ela era diferente fisicamen-

Oiiiii, Snivyyyyyy! — Bianca interrompeu o amigo que estava à sua direita, se aproximando do Pokémon de grama.

 Ele, por sua vez, olhou a humana loira dos pés à cabeça, com uma expressão indiferente típica de um Snivy. Ele não parecia muito impressionado com o que via, mas chegou mais perto de Bianca como provavelmente havia sido treinado a fazer, mesmo que de forma relutante. E provavelmente também havia sido treinado a não meter a boca na mão de treinadores novatos idiotas que dão tapinhas carinhosos sem parar na sua cabeça como Bianca estava fazendo.

 — Vai escolher ele, Bibi? — Hilda indagou.

— Ah... — Mais uma vez, o sorriso de Bianca sumiu um pouco. — Acho melhor não. Se ele precisa de pulso firme... É melhor que você ou o Ren fiquem com ele. Por mais que ele seja super fofinho.

— Tem certeza?

Bianca fez que sim com a cabeça. Por outro lado, Oshawott parecia muito mais aberto a Cheren, que também se ajoelhou para ficar a altura dele... Mas algo chamou sua atenção.

 — O que é isso, amiguinho?

 As garotas — e Hilbert, do outro lado do quarto — se viraram para olhar também ao ouvirem a pergunta do amigo, ignorando a leve frustração de Oshawott a ter o seu brinquedinho tomado. O rapaz ergueu um objeto quadrado no ar para mostrar aos amigos. Olhando de perto, era um disquete grosso, de um tom amarelo alaranjado. Havia algo escrito nele em relevo.

  “Shock Drive.” — Leu Cheren, cerrando os olhos. — Era pra ele estar segurando isso?

— Ué, a professora não disse nada sobre isso na carta... — Hilda franziu a testa, se aproximando pra ver melhor. — Isso é aqueles negócio que se enfiava no computador antigamente, né? Um disquete.

 A palavra chamou a atenção de Hilbert, que largou a revista que estava lendo em cima do rack da TV dos irmãos e se aproximou pra dar uma olhada... E para tomar da mão de Cheren bruscamente, que bufou em protesto. Bianca estava olhando pra eles, mas decidiu brincar com o Oshawott, muito para alívio do Snivy que agora tinha sido deixado em paz.

— Ei, ignorante! — O garoto de óculos reclamou.

— Isso é um Upgrade? — Hilbert murmurou pra si mesmo, ignorando o amigo. — Mas aí seria um disco, como os HMs, não um disquete... Só se for um modelo antigo... E nem faz sentido algo pra um Pokémon de Sinnoh estar em Unova...

— Dá pra colocar no computador, não? — Hilda apontou com a cabeça para o notebook preto em cima da escrivaninha que ela e Hilbert dividiam. Seu irmão sacudiu a cabeça negativamente.

— Dá nada, esse bagulho é mais grosso que ele. Mas talvez alguém no laboratório tenha algum PC mais antigo que consiga rodar isso...

Hilda deu de ombros e foi dar atenção ao Snivy. Ele parecia um pouco menos entediado com a presença dela. Só um pouco. Enquanto isso, Hilbert se afastou mais uma vez, ligando seu Xtransceiver pra tirar uma foto do disquete. Da próxima vez que ele ligasse pro seu pai, ele decidiu que iria perguntar sobre. Se a professora não soubesse o que havia dentro do disquete ou não conseguisse abri-lo, talvez ele ou algum colega de trabalho dele soubesse.

— Se não tiver nada demais dentro, a gente devolve. — Cheren prometeu ao Oshawott, que ainda estava um pouco emburrado apesar dos carinhos na cabeça que recebia de Bianca. Isso pareceu animá-lo.

— Enfim, escolham logo, bora, a gente não tem o dia todo — disse o moreno, voltando a se encostar à parede no seu canto do quarto.

— É um dia extremamente importante, Hilbert, não dá pra ser na base do ‘bora’... — Cheren retrucou. — Mas... É, precisamos fazer nossas escolhas. Hilda?

— Hm? — A garota piscou, perdendo a disputa de encarada sem piscar que estava fazendo com a serpente verde em frente dela.

— Escolha primeiro. Já que você é a dona da casa.

— Ah, sério?! — Seu coração acelerou. — Hãããã...

 A verdade é que Hilda nunca teve uma preferência muito forte em relação a um inicial de Unova ou outro. Para ela, os três eram opções sólidas, literalmente qualquer um estaria de bom tamanho. Mas Cheren e Bianca não iam aceitar um “tanto faz” como resposta... Seu primeiro instinto foi ir até a Tepig sem rabo, já que ela sempre gostou de tipos lutadores, até que seu cérebro pensou rápido em outra coisa:

Bianca já disse que não escolheria Snivy por não achar que teria fibra para treinar um Pokémon de personalidade mais forte — sem contar que ele próprio já parecia detestá-la nesses primeiros dez minutos em que se conheciam —, e em outras ocasiões, Cheren afirmou que não escolheria um se tivesse opção, pois achava a sua linha evolutiva “pouco versátil em batalha”. E, bom, ela não memorizava golpes ou TMs ou nada assim, mas se Cheren dizia, então deveria ser verdade. Mas, de novo, pouco importava. Todo Pokémon tem potencial de ser bom, basta querer!

 — Eu vou de Snivy! — Hilda proclamou, finalmente. — E aí, amigão?

 Hilbert levantou uma sobrancelha, com os olhos arregalados. Isso não era o que ele esperava que a irmã ia escolher.

Hilda estendeu o braço para o Snivy, esperando que ele fosse escalá-la até chegar a seu ombro, assim como ela via na televisão. Ao invés disso, ele sacou duas vinhas da parte de trás das folhas amarelas do seu pescoço e lhe deu um aperto de mão.

 — É, acho que isso é o máximo de carinho que ‘cê vai me dar por enquanto, né? — Suspirou a morena. — Mas que daora que ‘cê sabe dar um aperto de mão!

— Imaginei que iria escolher ele. Bianca, sua vez.

— Eu? Tem certeza?

— Damas primeiro.

— Que cavalheiro! — Bianca deu uma risadinha maldosa. — Ou você só tá indeciso?

— Só escolhe logo. — Cheren sorriu de volta.

— Acho que não é muito seguro eu ir com um tipo fogo, já que eu tenho esse meu jeitinho desastrado... Então é melhor que eu pegue o Oshawott!

 Hilbert abriu um sorrisinho ao ver o amigo tentando esconder a frustração, sabendo que esse era o Pokémon que ele queria desde o começo, Tepig sendo uma mera segunda opção. Se Hilda tivesse o escolhido, talvez ele tentasse ganhá-lo de volta na lábia. Mas Cheren era fisicamente incapaz de discutir com Bianca, apesar das broncas frequentes que ele dava nela.

Oshawott alegremente colocou a cabeça contra a mão da loira, abanando a cauda. Diferente do seu colega do tipo grama, ele aceitou de bom grado ser carregado no colo como um bebê. O que não era muito aconselhável, já que ele poderia ficar mal acostumado e querer que ela continuasse com esse hábito quando evoluísse. Mas quem disse que Bianca ligava?

 — Prazer em te conhecer, lindinho! — Oshawott abanou a cauda com mais força.

 Cheren olhou para Tepig, que o encarava com doçura.

 — Bom, com isso sobra eu e você. Que nossa jornada seja boa.

 Ele lhe fez um rápido carinho entre as orelhas, e ela fez um ronco satisfeito, se aproximando para lealmente ficar ao lado dos pés dele. Apesar de não ser sua primeira opção como inicial, não mudava o fato que ela era adorável.

 Os três iniciais estavam escolhidos. O primeiro membro de suas equipes, seus principais parceiros! Os meninos ficaram em silêncio por alguns segundos, aproveitando esse momento.

 — Parabéns, galera. — Hilbert pareceu genuíno, apesar da sua pressa. — Então, a gente já vai, ou...?

— Peraí! Eu tenho uma ideia! — Hilda interrompeu o irmão. — Vamo batalhar!

— Hã? — Os outros três indagaram ao mesmo tempo, com níveis diferentes de indignação. 

Bora de free-for-all! Todo mundo contra todo mundo, que nem a gente vê na TV! Aí vai ser mais rápido do que se a gente fosse lutar entre si um por um!

— Dentro… Dentro do quarto de vocês? — Cheren ergueu uma sobrancelha. 

— É! — A morena seguiu sorrindo.

— Ah, eles ainda não são tão fortes, não vai dar em nada! — Bianca encorajou.

— Não tem como impedir vocês, né? — Hilbert suspirou. — Tá, quero ver o que vai sair disso. Eu sirvo de juiz.

 Mas, apesar de ter cedido ao pedido, ele ainda assim saiu correndo para colocar seu notebook de forma segura em cima da cama, e ficou estrategicamente posicionado na frente da TV como se fosse um goleiro.

 — Vocês são impossíveis... Mas que seja. — Tendo dito isso, Cheren não conseguiu esconder o sorriso que tomava conta de seu rosto. — Vamos de free-for-all, então.

— Ok, bora lá. — Hilbert suspirou, levantando o braço sem muito entusiasmo. — Um... Dois...

 Os três Pokémon se posicionaram no meio do quarto, se encarando com determinação... Bom, Tepig e Oshawott estavam, pelo menos. Snivy só tinha seu olhar desdenhoso de sempre.

Bom, Bertha, Azure, espero que estejam prontos para perder. Irei tentar não destruir a auto-estima de vocês por completo.

 Os outros dois Pokémon se olharam com o canto do olho com a mesma expressão exasperada. Mal sabia ele...

 — ...Três!

Tackle! — Ressoaram as vozes de Hilda, Cheren e Bianca ao mesmo tempo. 

 E também ao mesmo tempo, os dois correram na direção de Snivy para tentar derrubá-lo... E acabaram se chocando com tudo numa dolorosa cabeçada, pois ele desviou com facilidade. Cheren e Bianca fizeram caretas de dor em solidariedade aos seus Pokémon.

 — Aeeeee, boa, garoto!

Vocês não têm experiência em batalha! — A serpente ignorou o elogio de sua treinadora, zombando dos colegas que ainda estavam tontos no chão. — E se unir para me derrubar não parece muito justo, não é?

Vou te mostrar o que é muito justo! — Oshawott vociferou.

O Pokémon de água avançou mais uma vez, mas agora acertara seu alvo — que estava muito ocupado se gabando —, com uma violenta cabeçada no estômago, fazendo-o deslizar para baixo da cama de Hilbert. 

— Uou! — Bianca arquejou de susto.

Mas debaixo dela rapidamente apareceram um par de olhos amarelos cheios de raiva… E o seu par de vinhas, que agarraram o Oshawott pela cintura e o jogaram pro outro lado do quarto, quase acertando a escrivaninha do computador.

— Aí ó, ainda bem que eu tirei o note daí! — Hilbert gritou.

— Isso! — Hilda deu um pulinho de empolgação.

Ainda debaixo da cama, Snivy aproveitou a posição vantajosa para tentar agarrar a Pokémon de fogo, que olhava para onde Oshawott havia caído com preocupação. Mas seu treinador estava muito bem atento.

— Tepig, olha pra trás!

Por sorte, seus reflexos eram rápidos, e ela conseguiu agarrar a planta com a boca e o puxar para junto de si, o que era fácil, pois suas vinhas — ainda — não eram muito longas. Snivy foi lentamente sendo arrastado para o meio do quarto novamente, com os olhos arregalados. E ele ficou ainda mais surpreso quando Tepig girou a cabeça com força e o arremessou em direção ao Oshawott que tinha acabado de conseguir se levantar e sair debaixo da cadeira.

— Osha, cuida-!

Bianca não conseguiu terminar a frase antes de seu Pokémon ser nocauteado após ser atropelado pelo Snivy. E esse era o fim dos dois nesta batalha. Com um suspiro, Bianca retornou seu Pokémon para sua Poké Ball. Agora só restavam dois.

— Muito bem. — Cheren disse ao seu Pokémon, dando um aceno encorajador de cabeça.

— Mal consegui fazer nada... — Bianca fez um biquinho, olhando para o chão.

Desculpa, Azure. Mas batalha é batalha! — Tepig disse pra si mesma.

Ela não teve muito tempo de se sentir culpada por ter nocauteado seu amigo, no entanto, pois Snivy já estava de pé, embora estivesse ofegante. Ele havia escalado a cadeira de rodinhas do computador numa tentativa de elevar sua moral.

Boa jogada... Você... Sempre foi esperta. Diferente daquele idio-

Não fale assim dele, Emerald!

— Vai pra cima, Snivy! — Ordenou Hilda, socando o ar.

E foi exatamente o que ele fez, se aproveitando da sua velocidade superior para dar um pulo longo e veloz que, em teoria, devia acertar a adversária com tudo. Cheren sacudiu a cabeça em desaprovação, sabendo o que iria acontecer. A Tepig estava pronta pra rebater o ataque imprudente.

Tackle. — O garoto de óculos disse, simplesmente.

E assim, mais uma cabeçada fez Snivy voar longe, por sorte tendo a queda amortecida por um dos tapetes no chão. Apesar disso, ele estava fora de combate e Tepig e Cheren haviam sido os vencedores.

Bianca deu uma mini-cotovelada em Hilbert, que estava muito ocupado lendo outra revista que ele tinha encontrado. Que saudades daquele jogo de navegador do Pokémon Café!

— Quê? Ah, acabou já? — Ele ergueu os olhos rapidamente, limpando a garganta. — Cheren é o vencedor!

— Você não tava nem prestando atenção? — O outro rapaz revirou os olhos, bufando... Mas ele estava sorrindo.

Enquanto Cheren ia parabenizar Tepig, Hilda correu até seu Pokémon, nocauteado no chão. Mas mesmo estando semi-inconsciente, ainda tinha uma expressão um pouco frustrada no rosto. O rosto de Hilda, por outro lado, escureceu um pouco. Normalmente tão tagarela, ela só conseguiu dizer algumas poucas palavras:

— Desculpa. Na próxima vou fazer melhor, eu juro.

E devolveu o Pokémon para sua Poké Ball, enquanto Cheren fazia a mesma coisa logo atrás dela. Dona Helga ou a professora Juniper conseguiriam curá-los com certeza. Mas ter seu parceiro nocauteado pela primeira vez não deixava de ser uma visão um tanto quanto difícil de ver.

Hilda deu um mini-pulo quando seu irmão chegou por trás, colocando a mão em seu ombro. Quando ela se virou, encontrou uma leve preocupação em seus olhos, o que não era comum para ele.

— Tudo certo?

— Arrã! — Ela imediatamente forçou um sorriso.

Hilbert olhou para trás para ter certeza que Bianca ainda estava parabenizando Cheren pela vitória. Seu olhar de canto de olho carregava um pouco de raiva.

— Tem certeza?

— Tenho, pô!

Hilda aumentou o sorriso de forma artificial ao se aproximar dos outros dois amigos, também para elogiar o amigo. Como ela sempre fazia quando perdia para ele em alguma coisa. Quando ele tirava notas melhores que ela nas provas teóricas, o que era muito frequente. Quando ela cometia um errinho mínimo em batalhas de treino na escola que a faziam perder para ele, o que era raro, mas acontecia. De novo. Hilbert nunca teve paixão por batalhas, nem ligava para números num sistema educacional falho, então ele não se importava. Bianca já estava acostumada a estar atrás de todos em tudo, e se isso a machucava, não demonstrava. Mas para Hilda... Era outra história. Hilbert suspirou. Não é certo guardar rancor do amigo. Se ele é bom no que faz, ele tem mais é que vencer mesmo. Mas... Ser irmão significa ser protetor, não é mesmo? E ser amiga significa ficar feliz pelas vitórias dos amigos, mesmo que sejam às suas custas. Mesmo que fizesse ela se sentir uma fracassada.

Era por esse tipo de situação que ele realmente, realmente não queria acompanhá-los nessa jornada.
              


          



Memory Link Pokémon 1 - Shock Drive


Amanhã seria o grande dia, tanto para os treinadores que iriam recebê-los, quanto para os três Pokémon iniciais cuidadosamente selecionados pela professora Aurea Juniper para eles. Ser entregue para um treinador era uma promessa de evolução — literalmente e figurativamente —, e, acima de tudo, uma promessa de companheirismo. Era a hora de dizer adeus ao laboratório de Nuvema e partir para o mundo lá fora! O que nunca é uma despedida fácil para a professora, nem para os seus colegas, apesar de ser um ciclo que se repetia todos os anos. Aquela seria a última vez que eles dormiriam no sofá do laboratório…

Mas Tepig não teve tempo de sonhar com o lugar que havia sido sua casa por um ano, pois alguma coisa a tinha feito acordar… Embora ela não tivesse certeza do quê: O clarão que tinha acabado de iluminar o céu de Nuvema ou a discussão que estava acontecendo no outro lado do sofá.

— ...V-você vai estragar tudo!

— Ah, é mesmo? Como eu estragaria tudo?

— Se a gente causar problemas, a professora pode nos trocar!

— A solução é simples: Não sejamos pegos.

Afe. Emerald e Azure batendo boca. Mas até aí, nada de novo... Mas o que tinha sido aquilo? Após se esticar e bocejar, ela se levantou, indo em direção a janela logo acima deles.

— Ah, Bertha! — Disse o Oshawott. — Escuta só a ideia desse… Desse doido!

Doido?! — O Snivy se ofendeu profundamente. — Se esqueceu que eu tenho a vantagem de tipos entre nós dois? Está brincando com a sorte.

Eu, brincando com a sorte?! Você que quer sair do laboratório no meio da noite só porque tá trovejando!

— Isso não é um relâmpago qualquer, o céu está limpo. Isso foi causado por alguém! Você é imbecil assim ou se faz?!

— Emerald, já deu! — Bertha exclamou.

Infelizmente, ela era muito baixinha para conseguir enxergar algo acima das árvores — mesmo se apoiando no parapeito da janela — e sua visão noturna não era das melhores para ver se havia algo dentro da floresta. Mas, realmente, não estava chovendo.

— O que tá acontecendo, afinal? — A Tepig perguntou, balançando as orelhas. — Deu um relâmpago, é isso?

— Alguém, alguém muito forte, usou um ataque elétrico no meio da floresta. Quem teria poder para tal por aquelas bandas? Só tem água e árvores naquela direção.

— Como que você sabe? — Acusou Azure.

— Porque eu já fui até lá… E dei de cara com um beco sem saída. Que nesse caso era o oceano. Mas enfim. Eu digo que deveríamos investigar.

A pequena cobra desceu do sofá com um pulo, se dirigindo até a porta do banheiro comunal do laboratório. Como se isso não fosse nada extraordinário para um Pokémon, ele usou suas vinhas para abrir a maçaneta, subir na privada e abrir a janelinha que ficava logo acima dela. Era sua melhor saída, já que todas as outras haviam sido trancadas devido as fugas anteriores do Snivy.

— Ou melhor… Eu deveria investigar. Se vocês quiserem vir ou não… Problema de vocês.

E com essa frase dramática, Emerald havia realizado sua fuga com sucesso, pulando pela janela em direção à noite profunda.

— Essa… Essa porta abre de noite? Desde quando?

— Desde que a Lacey roubou a coisinha que abre ela hoje de manhã. — Bertha respondeu.

Ah. Isso fazia sentido. Típico de uma Minccino. Não pode ver uma coisa brilhante… Ou uma bola de poeira, dependendo do caso.

— Eu vou lá… Vai que ele se machuca. Da última vez que ele fugiu, quase que perdeu aquela cauda dele! Mas, dessa vez, ele vai perder nosso grande dia amanhã se fizer alguma gracinha.

Com uma certa dificuldade, a Pokémon de Fogo imitou os movimentos do amigo —  “e quem disse que eu sou amigo de vocês?”, ele provavelmente diria — e subiu no vaso sanitário, parando para olhar o Oshawott.

— E aí, você vem?

— Vou… — ele suspirou, mexendo nervosamente na sua concha. — Não quero ficar sozinho.

Azure caiu na grama até que de forma graciosa, mas Bertha caiu de barriga no chão com um estrondo. Não fez muito caso disso, no entanto, se levantando rapidamente. Era comum para um Pokémon sem cauda perder o equilíbrio. A madrugada estava um tanto fria… Ou manhã, na verdade. O dia estava começando a raiar, então a floresta não estava no completo e total breu. Mas ainda assim, estava escura o bastante para ser assustadora. Azure ficou atrás de Bertha… Como se ele não fosse mais alto que ela.

— T-tá vendo alguma coisa?

— Não… Não vejo muito bem no escuro…

— Eu também não… Urgh, por que esse maluco teve que se enfiar no meio do mato?!

— Quanto mais rápido a gente achar ele, mais rápido a gente volta, então… — ela deu alguns passos desengonçados para frente. — Só vamos em linha reta e ver se a gente acha algum sinal dele!

Por sorte, a dupla não teve que procurar por muito tempo. Depois de um minuto ou dois de caminhada no silêncio amedrontador, encontraram o companheiro, que estava escondido atrás de um arbusto numa clareira, encarando fixamente um laguinho logo à frente.

— Você-! — Começou Azure.

— Shhhh! Fiquem quietos! — Emerald vociferou. — Estão ouvindo isso?

— Agora que você mencionou… — Bertha mexeu as orelhas de leve.
 
Passos. Dois tipos de passos: Alguém que tinha passos quase inaudíveis, e alguém que parecia que caminhava se arrastando. Havia um ruído de folhas se mexendo acima das árvores também… E um barulho estranho, de alguma coisa estalando… Mas todos os sons foram imediatamente afogados quando o estrondo súbito e alto de garras batendo em metal ressoou pela floresta, e um grande borrão cinza saiu voando com tudo pelo ar e caiu dentro do lago, fazendo os três Pokémon iniciais pularem de susto, se escondendo ainda mais atrás do arbusto.

— O-o que foi is-

Não! Uma voz interrompeu Azure. Uma voz humana.

Um garoto alto de cabelos verdes entrou na cena, esticando a mão como se fosse salvar… Seja lá o que era aquilo que havia acabado de cair na água. Ele tinha machucado a perna direita, estava com a calça rasgada e manchada de sangue, o que explicava o fato dele estar mancando. Devia estar doendo, pois ele quase tropeçou para dentro do laguinho, mas conseguiu ficar de joelhos na beira dele. Mais uma vez assustando os três Pokémon, um borrão preto também mergulhou na água. E logo atrás dele, surgiu uma criatura alta com jeito de raposa, com longos pelos pretos e vermelhos. Ele carregava algo de metal na boca

— Ganhei! — Triunfantemente exclamou o Pokémon.

— Scarlet, eu disse pra você não matá-lo!

— Ele não está morto! — Respondeu o Pokémon da melhor forma que pode apesar do que carregava na boca, parecendo ofendido. — Só desmaiado! Ele nem consegue se afogar, o Quark vai salvar ele.

Mas você arrancou um pedaço dele fora!

Ele cuspiu com selvageria o objeto de metal no chão, que agora estava coberto de baba. Era uma espécie de borda com espinhos, pertencente a alguma coisa.

— Mas dá pra encaixar de volta, não dá?

O humano fez um barulho parecido com um engasgo, colocando um braço sob o estômago.

— ...Quero vomitar.

Aaaaah, para de drama, essa parte dele nem é viva. Não é como se eu tivesse arrancado a cara dele, ou qualquer outro pedaço vital-

Para de falar!

Finalmente, os dois borrões não identificados saíram da água. O borrão preto era um outro humano, de cabelos brancos e com uma roupa esquisita. Ele carregava com dificuldade um Pokémon grande e metálico feito de engrenagens, que, julgando pelo seu único olho estar apagado, realmente estava desmaiado… E coberto de marcas de arranhões e machucados. Era impressionante que um humano conseguisse tirar um Pokémon como este, que não devia pesar menos de oitenta quilos, do fundo de um lago.

— Muito obrigado, Quark! — Exclamou o garoto, colocando as mãos sob a superfície de metal. — Não se preocupe, amigo… Você vai ficar bem.

Com uma expressão enojada, ele pegou a roda babada de metal do chão e passou em volta do corpo do Pokémon, e ela se encaixou imediatamente via magnetismo. Ele seguia desmaiado, no entanto. O humano que usava roupas pretas removeu a longa peruca branca da cabeça e a torceu para tirar a água, deixando a mostra cabelos bem mais curtos e castanhos.

— Os humanos conseguem tirar os pelos da cabeça? — Emerald sussurrou para si mesmo.

— Dudley… Não acredito que ele teria coragem de deixar seu amigo para trás como isca.

— Duvido que esse paspalho enxergasse esse Klinklang como seu amigo pra começo de conversa, N…

— Maldito. — N suspirou. — É por causa de pessoas assim que… Ah, não importa. Vamos voltar. Vamos procurar a bola dele e destruí-la.
 
Enquanto isso, Scarlet lambia os lábios com nojo, resmungando sobre como metal tem um gosto péssimo.
 
— Eu não acho que seja uma boa ideia destruí-la… Não tem garantia nenhuma que ele vai colaborar conosco quando acordar. Precisamos dela para contê-lo… Ah, não faz essa careta. É só por enquanto.

— Tá, que seja… Mas iremos destruir o Drive, certo?
 
Quark tirou um objeto quadrado e amarelo do bolso, e, como resposta, o jogou na água, onde provavelmente viraria brinquedinho de mastigar de um Basculin.
 
— Agora só temos que achar os outros. Mas isso vai ser tarefa pra depois. Temos que ver essa sua perna.

— Tá tudo bem. Só tá doendo um pouco… Estou com mais fome do que dor, na verdade. Vamos logo. Quero encontrar a Poké Ball dele e chegar em Accumula antes das sete.
 
Se apoiando no ombro de Quark, N se levantou e deu alguns passos sofridos, ainda mancando. Scarlet parou de reclamar do sabor do Klinklang e se enfiou debaixo do braço de seu mestre, servindo de apoio. Mais uma vez, Quark ergueu o Klinklang como se não fosse nada, e assim os quatro se foram, se enfiando mata adentro mais uma vez.

Bertha e Emerald ficaram em silêncio por alguns momentos. Tanto pela dúvida sobre o que diabos tinha acabado de acontecer, quanto para se certificar que eles tinham mesmo ido embora.

— Eu nunca vi alguém como aqueles dois… — Emerald saiu de trás da moita.

— Os humanos? — Bertha ponderou.

— Não, humanos já vi vários. Falo do camarada de metal… E o outro que comeu uma parte do corpo dele.

— Será que foi algum deles que fizeram aquele clarão?

— Provavelmente. Mas é esquisito que eles dois tenham lutado, mas os humanos ainda queriam salvá-lo…

— Talvez queriam capturar ele? Mas espero que ele fique bem. Não deve ser legal ter parte uma parte corpo arrancada…

Só quando o Oshawott voltou para a superfície foi quando seus dois companheiros perceberam que ele havia ido atrás do objeto amarelo que havia sido jogado dentro do lago. 

— Aaaah, então você também está curioso sobre essa situação. — Zombou o Snivy.

— C-cala a boca! — Azure resmungou. — Eu achei bonito, só isso…

A princípio, parecia um disquete retrô comum. Havia algo escrito nele em relevo… Mas nenhum dos Pokémon ali presentes sabia ler, então ninguém soube dizer o que aquilo queria dizer.

— Já que gostou tanto, é seu. Não faço ideia do que é isso, então… Até onde me diz respeito, é lixo.

— Bom, agora que o mistério foi resolvido… Podemos voltar pro laboratório, por favor? — pediu Azure, brincando com o disquete em suas mãozinhas. — Já está amanhecendo… Não podemos perder a hora!

— Suponho que sim… Que chato. Achei que seria algo mais emocionante.

— Você queria algo mais emocionante que isso?!

— Vamos lá, gente! — disse Bertha, liderando o caminho de volta.

O trio de Pokémon iniciais voltou para o laboratório, bem a tempo de poderem fingir que estavam dormindo todo pra que a professora não desconfiasse de nada sobre a aventura deles...

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